Quando decidimos visitar a Tanzânia e o Quénia colocou-se a hipótese de
visitar uma aldeia Maasai e conhecer melhor este povo. Nunca tivemos dúvidas
que queríamos conhecer os Maasai, o seu modo de vida e as dificuldades
que enfrentam num mundo cada vez mais globalizado.
O povo Maasai vive no leste da África, entre o sul do Quénia e o norte
da Tanzânia, ao longo do Vale de Rifte, em terras semi-áridas e áridas. Os
rostos amargurados e vincados pelo sol e pela dureza da vida nestas terras
chega a ser penetrante. Sedentários, os Maasai dividem o seu tempo na procura
de fontes de água (trabalho efectuado essencialmente pelas mulheres) e a
pastagem do gado bovino e caprino. Estes trabalhos começam bem cedo, logo que o
sol aparece no horizonte. Foi por isso que decidimos visitar a aldeia Maasai
logo pela manhã, permitindo assim, evitar os turistas e perceber um
bocadinho melhor as dificuldades que este povo atravessa na actualidade.
Os Maasai são mundialmente (re)conhecidos pelos belos e coloridos
adereços usados pelas mulheres, especialmente os seus gigantescos colares,
brincos e pulseiras. Não posso dizer que a tentação de fotografar tudo e todos
não é gigantesca, mas há que saber dosear bem a visita. Os Maasai são,
definitivamente, uma das etnias mais fotogénicas no mundo.
As crianças e os homens tentam conversar, ao passo que as mulheres, mais
recatadas e introvertidas, resguardam mais a sua privacidade e evitam o
contacto. O sorriso é a melhor forma de comunicar por aqui, assim como uma
máquina polaróide (algo que terei oportunidade de falar noutro post), e os
Maasai têm mesmo necessidade de comunicar com o mundo.
A maioria das pessoas da aldeia não fala inglês, apenas suaíli ou ol
Maa, o idioma Maasai. No entanto, alguns dos homens e rapazes mais velhos já
falam inglês. Ultrapassada a barreira linguística é muito mais fácil perceber
as dificuldades que enfrentam e os desafios que o presente e o futuro
lhes reserva.
Os parques e reservas naturais criadas no Quénia e na Tanzânia para
preservar a vida selvagem foram uma “machadada” no modo de vida da população
Maasai. O Serengeti, Ngorongoro, Maasai Mara, Amboseli, e Tarangire estão localizados
dentro da região dos Maasai. As reservas são agora consideradas áreas
protegidas destinadas à conservação, observação da vida selvagem e turismo.
Como resultado, o povo Maasai está proibido de aceder às fontes de água e
pastagens nestes parques. Isto deixou os Maasai com muito poucos locais onde
permanecer, sendo obrigados a moverem-se para a orla dos parques onde podem
recolher água e levar o gado a pastar. Assim, os Maasai foram obrigados a
abandonar as suas terras, a terra que tinha visto os seus antepassados nascer,
crescer e morrer.
Impedidos de utilizar grande parte das terras, os Maasai têm visto a sua
economia local deteriorar-se e a pobreza aumentou fortemente. Para tentar alterar
esta situação, tem sido feito um grande esforço pelo governo dos dois países e
pelas agências turísticas para incluir nos pacotes turísticos que percorrem a
região as visitas às aldeias Maasai. No entanto, muitos turistas recusam-se a
visitar as aldeias, a maioria das vezes alegando que as aldeias estão
transformadas em “jardins zoológicos humanos”. Essa questão, nós já tivemos
hipótese de discutir, nomeadamente quando visitamos as mulheres girafas, na
Tailândia. No nosso grupo, também se colocou essa questão. E apenas 5
resolvemos visitar a aldeia (dois alemães, dois portugueses e uma
norte-americana). Os outros, maioritariamente norte-americanos e australianos
decidiram não o fazer. A visita não estava prevista na nossa viagem à cratera
de Ngorongoro mas, em conversa com os dois alemães, achamos que valeria a pena. No entanto, precisávamos de 5 ou 6 pessoas para que a viagem
fosse possível. A Emyli, uma norte-americana super energética, e a nossa guia
juntaram-se a nós. Isso permitiu uma abordagem muito interessante porque a
nossa guia, Florence, natural do Quénia, pertence a uma etnia minoritária e que
enfrenta problemas muito semelhantes.
Será que a nossa decisão é melhor do que a decisão do resto do grupo? Não, não é. O que interessa é que cada um faça as suas escolhas e decida em consciência. Não precisamos de estar todos de acordo. Precisamos é de todos respeitar o povo Maasai.
Receber os turistas que visitam os parques naturais é hoje uma das
poucas fontes de rendimento dos Maasai. Os pastos são cada vez menos e o número
de cabeças de gado que cada família possui diminui de dia para dia. O turismo
pode assim levar mais algum rendimento e algum desenvolvimento ao povo Maasai.
Mas não sejamos inocentes, este rendimento e desenvolvimento tem imensos
impactos menos positivos. Um deles tem a ver com o processo de aculturação
crescente.
Mas, uma pergunta que fizemos recorrentemente foi: poderá o povo Maasai
escapar à crescente globalização? A verdade é que não pode. Tanto aqui como em
qualquer outro local da terra, as manifestações culturais destes povos estão
ameaçadas e a ambição de querer uma casa melhor e ter uma melhor qualidade de
vida é um direito que lhes assiste. Assim, o turismo, para além de trazer as
objectivas predadoras das máquinas fotográficas, traz também um incentivo à
preservação da cultura Maasai.
Uma das manifestações culturais do povo Maasai é a dança dos saltos,
uma dança guerreira que faz parte de um ritual que marca a passagem dos jovens
rapazes para a idade adulta. Outra, mais controversa, é a circuncisão.
É frequente ver os rapazes a pastarem o gado pela região com os seus
rostos pintados mas foi na aldeia que percebemos o verdadeiro significado
disso. A circuncisão masculina é muito frequente e é efectuada em grande
escala. Quando os rapazes são circuncizados, os seus rostos são pintados com
pigmentos e lamas claras que realçam os seus traços adultos. Este é um dos
momentos mais importantes da vida Maasai.
Mas, o modo de vida dos Maasai tem manifestações culturais menos "coloridas". Uma das tradições culturais mais enraizadas neste grupo
étnico é a Mutilação Genital Feminina (MGF). Geralmente é realizada em meninas
com idades entre os 8 a 12 anos por mulheres respeitadas na aldeia. Apesar do
governo do Quénia e da Tanzânia já terem proibido a sua prática, a MGF ainda é
efectuada com bastante frequência. O testemunho de uma menina Maasai
mostra a importância cultural desta prática: "If you are not cut, no one
wants to talk to you; the girls and boys in school laugh at you because you are
still a child. No man will want to marry or have sex with you if you are not
cut.".
Fomos visitar a aldeia Maasai eram cerca das 7 horas da manhã. Falamos
com crianças, jovens, mulheres e homens adultos. Entramos nas suas cubatas e
bebemos com eles. Compramos algum do seu artesanato e acima de tudo, ouvimos,
ouvimos aquilo que tinham para nos contar e ensinar.
Se os Maasai não receberem turistas e venderem o seu artesanato não
terão praticamente qualquer fonte de rendimento. Cabe, no entanto aos turistas,
decidir se querem ou não visitar as aldeias. Nós optamos por visitá-las e
visitaremos todas as aldeias que existam, porque o modo de vida nas aldeias está
tão ameaçado aqui, como nas aldeias dos países ditos desenvolvidos. Num mundo
cada vez mais globalizado, sem a devida valorização turística, estas e outras
manifestações culturais tenderão a perder-se para sempre.