A aventura do Expresso do Oriente

"It was five o’clock on a winter’s morning in Syria. Alongside the platform at Aleppo stood the train grandly designated in railway guides as the Taurus Express. It consisted of a kitchen and dining-car, a sleeping-car and two local coaches." (...)
"I have the tickets of Monsieur. I will also take the passport, please. Monsieur breaks his journey in Stamboul, I understand?” M. Poirot assented. “There are not many people travelling, I imagine?” he said.
“No, Monsieur. I have only two other passengers-both English. A Colonel from India and a young English lady from Baghdad. Monsieur requires anything?” Monsieur demanded a small bottle of Perrier." (...)
"There was a sudden jerk. Both men swung round to the window, looking out at the long lighted platform as it slid slowly past them. The Orient Express had started on its three-day journey across Europe."

Murder on the Orient Express, Agatha Christie

O Expresso do Oriente, nas suas variadas versões, teve sempre uma presença assídua na literatura e no cinema. Além das aventuras de Mousieur Poirot, podemos lembrar, por exemplo, que Bram Stoker, no seu "Drácula", pôs a comitiva que perseguia o Conde até à sua terra natal a viajar de comboio até Varna, enquanto Drácula viajava de barco. Por esta história rica, e por fazer parte do imaginário de tantos, é com tristeza que partilhamos com os nossos leitores que o comboio com o nome "Expresso do Oriente" já não existe! Mas impõe-se que façamos um breve resumo da sua história.




A ideia de criar um serviço de passageiros que ligasse a Europa ocidental ao Sudeste Asiático surgiu de Georges Nagelmackers, criador da francesa Compagnie Internationale des Wagon-Lits. Esta companhia, criada em 1872, tinha sido a primeira na Europa a introduzir vagões-dormitório e vagões-restaurante nas composições. Em 1883, a companhia inaugurou o então baptizado Express d'Orient. Na época, o comboio saía duas vezes por semana da estação Gare de l'Est, em Paris, e terminava na cidade de Giurgiu, na Roménia, passando por Estrasburgo, Munique, Viena, Budapeste e Bucareste. De Giurgiu, os passageiros eram transportados através do Danúbio para a cidade de Ruse, na Bulgária. Daí havia outro comboio que os levaria até Varna, onde poderiam tomar um ferry para Istambul.

Em 1889 a linha é finalmente completada até Istambul. Nessa época, o serviço diário de Paris passou a ir até Budapeste. Três vezes por semana o comboio ia até Istambul, passando por Belgrado e Sófia. Em 1891 o nome foi oficialmente mudado para Orient Express.
Em 1919 foi inaugurado o túnel Simplon, ligando a Suiça à Itália, possibilitando uma rota alternativa para Istambul. Foi então inaugurado o serviço Simplon Orient Express, que passava (após sair de Paris) por Lausanne, Milão, Veneza e Trieste, juntando-se à rota original em Belgrado. 
Na década de 30, o Expresso do Oriente atingiu seu ponto máximo, com três serviços atravessando a Europa: o Expresso do Oriente original, o Simplon Orient Express, e o novo Arlberg Orient Express. Este seguia de Paris a Budapeste passando por Zurique e Innsbruck, com vagões seguindo tanto para Bucareste como Atenas.
Em 1962, tanto a rota original do Expresso do Oriente, quanto o Arlberg Orient Express são colocados fora de circulação, deixando apenas o Simplon Orient Express. No mesmo ano este também é retirado, sendo substituído por um serviço mais lento, chamado de Direct Orient Express. Contava com saídas diárias para Belgrado (passando pelo mesmo troço que o Simplon), de onde ia para Istambul e Atenas duas vezes por semana.
Em 1977, o Direct sai de circulação. Parte de sua rota original é reactivada, num serviço sob o nome original de Orient Express. No período entre 1977 e 2001, ele saía de Paris indo até Budapeste, com poucas saídas para Bucareste.
Em 2001 o trajecto é limitado ao troço Paris - Viena e, em 2007, este passa a ser Estrasburgo - Viena, uma vez que o trecho Paris - Estrasburgo passou a ser atendido por comboios de alta velocidade (TGV).
A 12 de Dezembro de 2009, o comboio EuroNight número 469 'Orient Express' deixou Estrasburgo para a sua derradeira viagem nocturna em direcção a Viena, e a 13 de Dezembro o nome 'Orient Express' desapareceu para sempre das tabelas europeias, após 126 anos de existência.



Podemos perguntar-nos agora o porquê desta viagem, se o comboio com o mítico nome já não existe.
Há dias, quando falava com um amigo acerca da nossa próxima viagem, ele perguntou-me: "Mas porque é que, só com 7 dias de férias, vão passar por tantos países e andar sempre a correr? Porque não ficar só num ou dois países e conhecê-los melhor?"
A resposta é que há tantas maneiras diferentes de viajar como há pessoas. E se em 7 dias é possível fazer uma "Trip to New York" e ficar a conhecer relativamente bem todas as atracções da metrópole, também é possível fazer uma "journey across Europe", em que o objectivo não será tanto conhecer em profundidade determinado local (muito menos, país) mas sim retirar daí o sentimento da viagem como um todo. Neste caso, aquilo que liga as diferentes "pérolas" do "colar" que será o nosso itinerário é a linha férrea conhecida como o "Expresso do Oriente", e que será o fio condutor (literal!) da nossa viagem. Mesmo que já não exista um comboio com esse nome...
Os comboios, além de serem uma paixão minha desde a infância, são também marcantes na história da minha relação com a Carla. A primeira viagem que fizemos juntos foi um InterRail no verão de 2006, e foi durante esse quase um mês pela Europa que aprendemos a conhecer-nos um pouco melhor e que nasceu em nós também o espírito de mochileiros. Durante esta viagem, fizemos alguns dos troços do antigo "Expresso do Oriente", nomeadamente, Viena-Budapeste e Budapeste-Bucareste, e teríamos seguido para Sófia (em direcção a Atenas) se um de nós (não vou dizer quem!) não estivesse a confiar unicamente no bilhete de identidade para viajar por terras europeias. A Bulgária só entraria na UE em Janeiro do ano seguinte, por isso tivemos de voltar para trás e fazer um percurso diferente (mas não menos aliciante!). E, pese embora o facto pouco romântico de que na altura o comboio com o nome "Expresso do Oriente" já não existia, a verdade é que nos ficou sempre um amargo de boca e, no fundo, sabíamos que um dia voltaríamos. 

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