Uma mota dentro do autocarro? Não
posso crer! Afinal era, mas era também só o inicio. Viajar no Laos é isso
mesmo, uma aventura que começa no autocarro.
O Laos sempre foi um país sobre o
qual nunca tive muitas ideias concretas. Talvez por isso, a descoberta deste
país superou as minhas expectativas. Qualquer local que visitamos nos agradou
muito mas só sentimos que conhecemos o Laos quando atravessamos, nos
transportes públicos, as suas estradas.
Chegar ao Laos foi por si só uma
aventura. Não conseguimos bilhete de comboio em segunda classe (nem sentados
nem deitados) pelo que tivemos que viajar 12 horas em terceira classe, num
comboio nocturno. Escusado será dizer que foi uma noite terrível! Nos dois
lugares do banco tínhamos que viajar 3 pessoas e a nossa frente as pessoas
amontoavam-se no chão. O comboio saltava de 3 em 3 segundos e quando tentava
adormecer... lá batia eu com a cabeça no banco! A certa altura resolvi
deitar-me no chão com o resto das pessoas. Não foi grande ideia porque embora
tendo adormecido (e dormido mesmo por alguns minutos), quando acordei estava
cheia de formigas.

Pensamento positivo: as 8 h da
manhã chegamos à fronteira e entramos no Laos. Tiramos o visto sem problemas,
apesar dos muitos esquemas à volta da fronteira, e entramos neste país
maravilhoso. Vientiane, a capital do Laos, foi
a nossa primeira paragem. Depois de explorarmos a cidade lancamo-nos a estrada
e descobrimos que a verdadeira aventura começa aqui!

Em Vientiane apanhamos um
autocarro local (expresso mas que corresponde aos autocarros portugueses dos
anos 40) rumo a Vang Vieng. Estávamos descansados à espera que o autocarro
saísse quando alguém entra com uma mota e a estaciona dentro do autocarro.
Seria um novo passageiro. Todas as pessoas que a partir daquele momento
entravam e saiam do autocarro tinham que passar por cima da mota ou então sair
pela janela. Descobri que viajar no Laos de
transporte público inclui várias paragens programadas (mas que não fazem parte
do itinerário) a que nos chamamos "pee time". Todos saem do autocarro
e deslocam-se para o arbusto mais próximo. As mulheres mais púdicas colocam-se
atrás do arbusto, as outras levantam a saia e urinam ao lado do autocarro. Uma
viagem de 4-5 horas inclui sempre dois momentos de "pee time".
Outro momento e o "eat
time". Quando o condutor tem comissão num restaurante (de beira de
estrada, mas onde se pratica preços de resort - um gelado de gelo chega a
custar 10 vezes mais do que nos outros lugares), pára nesse local e aí permanecemos durante meia hora. Quando o condutor não tem comissão de nenhum
local, simplesmente pára no meio de uma povoação onde existam mulheres a vender
comida de rua. Estas correm para as janelas do autocarro e ovos, lulas, frango,
moelas, etc., enfiadas num pau, entram pela janela. É o Laos. O Laos é a viagem
de autocarro.

De Vang Vieng para Luang Prabang
apanhamos um micro-bus para fazer 7 horas de viagem. Quando saímos de Vang
Vieng estávamos longe de saber o que nos reservaria esta viagem. O nosso
motorista não falava nenhuma língua para além de Lao, o que complicava as
coisas. A certa altura descobrimos por uma senhora do Laos que arranhava o
francês, que teríamos que trocar de transporte a meio do percurso porque tinha
havido um deslizamento e a estrada estava cortada.

Quando chegamos ao deslizamento
fiquei boquiaberta. Era gigantesco. A senhora que falava francês disse-me
"La montagne a tombee" Parece que essa é mesmo a melhor frase. Toda a
vertente se desprendeu e as terras vermelhas desceram e espalharam-se por
dezenas de metros. Só quando vemos as pessoas a passar por cima do local de
desprendimento do material é que temos consciência do seu tamanho. As casas da
aldeia estão muito próximas. Será que alguma ficou soterrada ou foi arrastada?
Não consigo perceber. Demoramos cerca de 35 minutos a contornar o deslizamento.
O caminho estava escorregadio e havia bastante gente a cruza-lo. Quando
passávamos por pessoas que vinham no sentido contrário, as coisas
complicavam-se. Mas o pior era quando passavam bois!!! Isto tudo com as
mochilas as costas...

Aguardamos algum tempo do outro
lado do deslizamento e conseguimos outra carrinha para nos levar a Luang
Prabang. Seriam mais algumas horas de viagem mas com uma paisagem maravilhosa e
acompanhados pelas aldeias cheias de crianças que ladeiam a estrada.

Ao fim de dois dias tivemos que
regressar a Vientiane (pela mesma estrada)! Perguntamos em Luang Prabang e
garantiram-nos que o deslizamento estava resolvido. Era possível passar. Ao fim
de 4 horas de autocarro descobrimos que não! Eram 23 h e o autocarro parou em
frente ao deslizamento. Tinha voltado a chover. As terras tinham voltado a
deslizar. Teríamos que aguardar a noite no autocarro e esperar por novos
desenvolvimentos pela manhã. Ainda ponderamos atravessar a pé nessa noite mas
pareceu-nos prematuro. Dormimos no autocarro até às 7 h da manhã, hora a que
resolvemos pegar nas mochilas, junto com um casal espanhol e duas raparigas de
Hong Kong, e atravessar a pé. Aí, tivemos que contratar uma carrinha de caixa
aberta que nos levou até Vang Vieng e aí apanhamos outra carrinha até Vientiane. O que seriam 9 horas de viagem transformaram-se em 20! Quando saímos do Laos vínhamos
exaustos, doridos, fisicamente esgotados mas muito sorridentes. Tínhamos sentido
algo que há muito não sentíamos: a sensação de não controlar nada e o prazer de
enfrentar o inesperado. Um dia, voltaremos ao Laos.