O autocarro percorre as estradas deixando para trás as
nuvens de cinza do vulcão Fuego, em Antigua. O ar fica cada vez mais húmido e
fresco à medida que nos aproximamos de Monterrico, a praia que escolhemos para
conhecer a costa do Pacífico, na Guatemala.
Monterrico está a 3 horas de Antigua e é um lugar
obrigatório na Guatemala. As praias de areia negra vulcânica sarapintada de
pedra-pomes são lindas. A aldeia recebe alguns turistas e viajantes mas não
perdeu o seu carácter genuíno, a sua tranquilidade e ritmo descontraído. Quem
aqui vem não procura praia porque as águas são muito perigosas, cheias de
correntes fortes e ondas superiores a 3 metros. Nem os surfistas, nem os
pescadores se atrevem a enfrentar este mar que Magalhães denominou de Pacífico.
- Ainda há dois dias morreram aqui dois rapazes da capital -
diz-nos o guia que nos levou nessa noite para ver as tartarugas desovar.
E foram as tartarugas que nos trouxeram aqui. Elas sim,
enfrentam a força das ondas e das correntes para virem desovar na praia durante
a noite. Estamos na época da desova: começa em Setembro e termina em Novembro.
Não podíamos perder este espectáculo da natureza.
Logo que chegamos a Monterrico alojamo-nos no magnífico
Johnny's Place (160 Q), um hotel para jovens bastante popular mesmo em frente à
praia. A nossa cabana é feita de palha mas temos uma piscina em frente e o
restaurante virado para o Pacífico. A praia pode não dar para tomar banho, mas
os banhos de piscina e de sol são fenomenais.
Se estávamos na costa havia que experimentar o
"pescado" local. Saímos para almoçar num dos muitos restaurantes
(Paco Real) da avenida principal para conhecer a gastronomia. Deliciamo-nos com
uns camarões com alho e uma serra grelhada. Passeamos um pouco pela povoação e
em 15 minutos estava tudo visto. Voltamos à piscina do hotel e à esplanada
virada para o mar.
Esta tarde fomos ao "tartarugário" libertar uma
pequena tartaruga que saiu do ovo faz dois dias. Eram pequeninas e estavam
muito fraquinhas. Num mundo capitalista, também esta organização ambientalista
parece ter fins lucrativos. Apadrinhamos duas crias de tartarugas para as
podermos libertar em troca de uma doação de 50 Q. Teoricamente, este dinheiro
destina-se à compra de novos ovos de tartaruga que serão colocados numa espécie
de "ninho" até à hora de eclodir. Aí esperam que cheguem turistas
desejosos de "investir" na natureza e, tal como nós, libertá-las no
oceano. Foi isso que fizemos.


O tartarugário liberta cerca de 36.000 tartarugas por ano
mas apenas uma em cada mil tem hipótese de sobreviver. Apesar da taxa de
sucesso ser bastante reduzida, nós baptizamos uma das nossas afilhadas de
"suerte" e a outra "carlita". Estavam tão fraquinhas que
quando as libertamos na praia quase não tinham forças para caminhar. Com a
força das ondas rebolavam na areia e acabaram por desaparecer mar adentro. Eu e
o Rui olhávamos para o oceano mas sabíamos que iam ter poucas hipóteses.


Regressamos à esplanada do Johnny's Place. Depois de jantar
enquanto olhávamos o sol a pôr-se em frente aos nossos olhos, aguardamos pela
chegada do nosso guia. Saímos às 19.30 h mas já é noite cerrada. Caminhávamos
na praia, seguindo a luz da lanterna do guia, quando começou a chover
torrencialmente. Abrigamo-nos cerca de 45 minutos no alpendre de uma casa
veraneante de um guatemalteco da capital. A chuva era tanta que ficamos
completamente encharcados. Começou a trovejar. Os raios iluminavam o céu e os
trovões pareciam abalar até as areias da praia. Estávamos com medo, muito medo.
As tempestades eléctricas na praia são uma das principais causas de morte nesta
zona da Guatemala. Já nem pensávamos em ver as tartarugas, só queríamos sair vivos
dali. O guia contava-nos que um dos rapazes que víamos em pé de frente ao mar,
aguardando as tartarugas, tinha perdido o pai há alguns anos atrás fulminado
por um raio. Contava-nos que morrem imensos jovens todos os anos; jovens esses
que arriscam a vida para capturar os ovos das tartarugas que à noite chegam à
praia. Os raios e relâmpagos continuavam a cair no mar iluminando a noite. O
cenário era aterrador.


Quando a chuva abrandou, saímos em busca das nossas
tartarugas. A vontade era pouca por isso resolvemos fazer o percurso em
direcção ao hotel e tentar a nossa sorte nesse trajecto. Os raios e relâmpagos
continuavam. Algumas centenas de metros à frente encontrámos um rapaz a escavar
o "ninho" da tartaruga. A fêmea parecia estar em estado de transe enquanto
desovava dezenas de ovos (semelhantes a bolas de ping pong) na areia da praia.
O jovem escavou até alcançar o ninho e vai sacando os ovos à medida que a
tartaruga os vai pondo.

É como ver alguém a roubar os filhos a uma mãe. A única
diferença é que esta mãe está em transe e não percebe o que lhe está a
acontecer. Vai inclusive "dando" cada vez mais ovos ao
"larápio". Os jovens têm que dar 20% dos ovos ao
"tartarugário" e os restantes 80% vendem a 10 Q (cerca de 1€) a
dúzia, também ao "tartarugário". Estes por sua vez irão ser criados
e, depois de eclodir, as crias serão "adoptadas" pelos turistas para
gerar mais dinheiro. Há alguns ovos que ainda se vendem no mercado negro já que
os homens acreditam que se trata de um alimento afrodisíaco, misturando-o na
cerveja. No entanto, por muito mau que isto possa ser e parecer, a alternativa
é bem pior. Há vários cães a rondar na praia. Procuram as tartarugas para
depois poderem comer os seus ovos. Quando os ovos não são apanhados pelos
jovens são-no pelos cães. São raríssimos os ninhos que sobrevivem à primeira
noite. E depois, voltam as mesmas estatísticas, depois dos ovos eclodirem, só
uma tartaruga em cada mil irá sobreviver.

Tiramos algumas fotos a medo pois os raios e relâmpagos
continuavam, e depois de conversar um bocado com o jovem regressamos ao hotel.
Estávamos ensopados mas relativamente satisfeitos, pelo menos dentro das
condicionantes actuais. Tomamos um bom banho quente e fomos dormir.
Eram 4.45 h quando o despertador tocou. Vamos fazer um percurso
pelos mangais para ver o nascer-do-sol e a biodiversidade associada a este
ecossistema. Caminhamos até ao porto, onde apanhamos um barco e nos transportou
pelo mangal.
Os mangais são comunidades vegetais que colonizam as lagoas
costeiras, estuários e deltas, adaptadas às condições de elevada salinidade das
águas marinhas. As árvores são apenas um dos componentes deste complexo
ecossistema que inclui também solos, outras plantas, animais e microorganismos,
sendo um dos ecossistemas mais férteis e diversificados da Terra.
As árvores do mangal são as mais conhecidas podendo
encontrar-se aqui mangais brancos, vermelhos e negros, sendo este último o mais
comum. O nosso barco atravessa a lagoa e, percorrendo os canais, vemos as
árvores com raízes aéreas como que erguendo-se em direcção ao céu. Ao fundo, o
vulcão Fuego e Acatenango mostram a sua silhueta na paisagem.
Quando regressamos ao hotel eram 7.30 h da manhã. Voltamos à
nossa cama até à hora do check-out (12 h). Depois do almoço, passamos a tarde
na piscina esperando pelo autocarro das 16 h que nos levou de volta a Antigua.
No dia seguinte, iríamos ao vulcão Pacaya. A nossa viagem estava a chegar ao
fim.