"Quando escalas uma
montanha, mantém-te harmoniosamente em consonância com o seu poder, com o seu
espírito, e dá-lhe graças pela ajuda que ela te concede, pois o que te eleva ao
cume é tanto a montanha como as pernas do teu corpo."
Ditado índio norte-americano
Todo o verdadeiro montanhista ou
alpinista sabe que, na alta montanha, a actividade lúdica, desportiva ou
profissional é condicionada por diversos e numerosos factores. Este
conhecimento resume-se em algo que devemos guardar na cabeça e coração: ninguém
conquista uma montanha; ela apenas partilha o seu espaço connosco durante
breves momentos da sua vida. É ela que decide como iremos vivenciar essa
partilha: se chegaremos ao cume, se desfrutaremos da paisagem, se regressaremos
em segurança. É este sentimento que me guia e me reconforta quando, às cinco da
manhã, inicio a subida ao vulcão Acatenango.

O objectivo era duplo: subir ao
cume do Acatenango e conseguir observar o vizinho Fuego, actualmente um dos 3
vulcões activos da Guatemala. Três dias antes, tinha iniciado erupções
bastantes grandes, com expulsão de lava na primeira noite e grandes libertações
de rochas e fumo nos dias seguintes. Será que continuava assim activo? Na noite
anterior, já tínhamos dado conta que não. A actividade tinha diminuído
substancialmente, embora a libertação de fumo continuasse esporadicamente.

Viajamos de carro desde o hostel,
em Antigua, até um pequeno povoado na base do vulcão, a uma altitude de 2200m.
Uma vez que o cume do Acatenango atinge 3975m, ia ser uma longa e árdua subida!
Tem de se começar muito cedo, pois nesta época das chuvas as montanhas ficam
completamente envoltas pelas nuvens desde manhã cedo, aproximadamente desde as
10 da manhã. Esperavam-nos 5 horas de subida, por isso ia ser muito arriscado:
podíamos chegar lá cima e não ver nada! O ideal seria subir durante a noite,
começando à meia-noite, para observar o nascer-do-sol no cume, mas as agências
locais não oferecem essa alternativa.

Nos Alpes ou nos Pirenéus, uma
montanha com a altura do Acatenango estaria coberta de neve, gelo e
possivelmente glaciares. Porém, a esta latitude, e à decorrente incidência
solar e elevada humidade do ar, as montanhas apresentam vegetação até
aproximadamente 4000 m de altitude. E tem de se subir até aos 4500 m para se
começar a ver neve... A terra é negra, carregada de minerais expelidos por
erupções anteriores do Acatenango e do seu vizinho, e excelente para a
agricultura. Assim, nas primeiras centenas de metros de subida, a paisagem é
dominada por campos cultivados, ao lado dos quais caminhamos.
O início de uma subida nunca é
fácil. Os pulmões pedem ar rapidamente, o coração bate depressa e as pernas
ressentem-se. Depois do que nos pareceu uma longa subida, o trilho desce um
pouco mas, a partir daí, seria sempre a subir, em terreno muito inclinado.


A seguir, passamos para uma
paisagem de bosque, inicialmente dominado pelos pinheiros. e, conforme se
subia, dando lugar a vegetação mais rasteira, e finalmente desaparecendo. Vamos
num grupo em que, para além do guia, vão 2 americanos e 1 britânico. Quando a
Carla vê que não há nenhuma mulher, diz: estou tramada! A verdade é que a Carla
é, quase de certeza, a pessoa deste grupo (incluindo o guia) com mais
experiência de montanha. No entanto, sobe a montanha ao seu ritmo certo (como
deve ser), sem explosões de energia nem paragens prolongadas. O nosso guia parece
adepto do contrário. Ritmo muito forte durante alguns minutos e paragens
frequentes de vários minutos. Como a Carla não aguenta o ritmo forte, decide
subir sozinha, à frente, devagar mas quase sem parar.

Só quando estamos quase a chegar
ao primeiro cume, a 3880 m, é que alcançamos a Carla. O guia e os rapazes passam
para a frente; eu e a Carla seguimos atrás. A paisagem é puramente vulcânica. O
céu está pouco nublado, quase limpo. O sol brilha. Do primeiro cume, tem-se uma
vista espectacular para o cume mais alto e as diversas (agora inactivas)
crateras do vulcão, assim como em redor. Mas ainda não se avista o Fuego, por
trás deste cume. A oriente, avista-se o majestoso vulcão Água e a cidade de
Antigua e, a ocidente, os vários vulcões do lago Atitlán. Muito ao fundo, ainda
se consegue notar os vulcões Santa Maria e Tajumulco. Depois de descansarmos, e
de tirarmos fotos à paisagem, temos de continuar. Temos de descer um pouco,
antes de iniciar a subida final. O desnível a subir será talvez de 150 a 200 m,
mas parece bastante inclinado.

Caminhamos devagar. O terreno é
essencialmente areia vulcânica solta, o que dificulta o progresso. Parece que
caminhamos em neve fofa. Por cada passo dado, escorregamos vários centímetros
para trás. Passamos do lado das crateras mais altas e alcançamos finalmente uma
crista que nos levará ao cume.
Quando chegamos ao cume, não
escondemos a nossa alegria. Porque a subida foi difícil e longa (5 horas),
porque a paisagem é deslumbrante. O cume encontra-se no bordo de uma grande
cratera. E no lado oposto ao cume, vemos elevar-se o Fuego, parcialmente encoberto
pelo bordo do Acatenango e pelas nuvens que teimam em passar. Maravilhoso!
Descemos um pouco e contornamos o
bordo, caminhando em direcção ao Fuego. No ponto mais próximo, temos uma vista
completa da parte superior do vulcão. A sua aparência não engana: é um vulcão
activo. As vertentes despidas de vegetação são dominados pelo negro e castanho
e, do cimo, eleva-se uma pequena coluna de fumo. Só faltava estar em erupção
mais activa, quiçá até com emissão de lava! Mas não estava destinado que o víssemos
assim...
Rapidamente, as nuvens
encobrem-no da nossa vista e decidimos alimentarmo-nos e descansarmos um pouco.
A cratera do Acatenango parece paisagem lunar mas, até aqui em cima, se
consegue distinguir sinais do passado violento deste vulcão, nos diferentes
estratos que claramente se distinguem no solo e que resultam de diferentes
erupções.
Parecia que o céu não ia limpar,
o vulcão parecia tranquilo e decidimos iniciar a descida. Mas, antes de irmos
embora, o Fuego ainda nos apareceu por breves instantes, como que nos dizendo
adeus e bom regresso.
Na descida, é preciso ter muito
cuidado, principalmente pelo facto do terreno ser solto e propício a
escorregadelas e entorses. Depois de regressarmos ao colo do vulcão, descemos
pelo lado oriente, não precisando de voltar a subir ao primeiro cume. A terra
negra e cinzenta vai, gradualmente, partilhando o seu espaço com arbustos, até
que voltamos à zona de bosque.
Depois de passarmos, e
descansarmos, junto a um refúgio destruído, voltamos ao caminho que trilhámos
na subida. Em ritmo forte, fomos descendo com algumas paragens (poucas) pelo
meio até que, ao fim de 2 horas e meia de descida, chegamos junto do transporte
que nos levaria de volta a Antigua.
E regressamos cansados, mas
felizes, pois tínhamos atingido os nossos objectivos. A montanha tinha sido
generosa connosco e o que vimos permaneceria connosco para sempre.