"Deus quer, o Homem sonho e a obra nasce", dizia-nos
Fernando Pessoa. Eu e o Rui também tínhamos um sonho há muito tempo. Esse sonho
era ver um vulcão activo e a “obra de Deus nasceu” na Guatemala.
Sabíamos o quanto era arriscado aproximar-nos de um vulcão activo.
Estávamos perfeitamente conscientes dos perigos que enfrentávamos, mas mesmo
assim estávamos decididos. Estávamos na Guatemala, um dos países do Anel de
Fogo do Pacífico, e tínhamos que tirar proveito disso.

Uns dias depois de entrar na Guatemala soubemos que o vulcão mais
activo neste momento era o vulcão Santiaguito, na orla do vulcão Santa Maria,
perto de Xela (Quetzaltenango). Quando chegamos a Xela tratamos de arranjar um
tour para subir ao vulcão Santa Maria e poder apreciar de cima as erupções do
Santiaguito. Arranjamos um tour chamado “Luna llena”, porque nessa semana se
iria subir o vulcão durante a noite de lua cheia, com os Quetzaltrekkers, uma
empresa de voluntários americanos. Apesar da reputação que a empresa tem, nós
ficamos muito mal impressionados. Marcamos o tour com 3 dias de antecedência,
pagamos a totalidade do dinheiro e na noite da subida, pelas 23 h dizem-nos que
tinham cancelado o tour devido ao mau tempo e que nos iam devolver o dinheiro.
Não queríamos acreditar! Estávamos há dois dias à espera daquela subida e agora
acabava assim!

Chegamos ao Celas Mayas, o nosso alojamento em Xela, e desabafamos a
nossa frustração com uma italiana e um rapaz guatemalteco. Ele disse-nos que
era guia e que nos poderia levar nessa madrugada ao Santiaguito. Não tínhamos
condições para subir ao cume do Santa Maria porque já era tarde para isso, mas levar-nos-ia
ao mirador a meio do vulcão Santa Maria. Ficamos radiantes, o César salvou-nos
o dia. Deitamo-nos por duas horas e às 3.30 h da manhã levantamo-nos outra vez.

Começamos a subir a montanha às quatro e meia da manhã. Estava noite
cerrada e não víamos nada. Só tínhamos um frontal porque tinham roubado o do
Rui no autocarro quando fomos para o Tajamulco. O caminho faz-se bastante bem,
mesmo para quem vem cansado de subir o Tajamulco no dia anterior. Em pouco mais
de uma hora estávamos no mirador. César dizia-nos “Lamento, mas está tudo
nublado, não se vê nada.” Ficamos tristes mas estávamos confiantes. Tínhamos
até às 10 h para esperar que o céu abrisse e foi isso que fizemos, esperamos.

O vulcão Santa Maria, onde estamos a ver o Santiaguito, é um
estrato-vulcão, e apesar de ser considerado um vulcão activo não tem erupções
há mais de um século. A sua última grande erupção, em 1902, destruiu Xela e
várias povoações nas proximidades. Desde essa erupção, considerada uma das 3
maiores do século XX, a sua energia parece estar a ser libertada pelo irmão
mais novo, o Santiaguito, um vulcão que surgiu na cratera que abateu nessa
última erupção. O Santiaguito é, muito provavelmente, o mesmo vulcão alimentado
pela mesma câmara magmática.
Por volta das 6 horas da manhã assistimos à primeira erupção. Ouvimos
o barulho mas as nuvens não deixavam ver nada. Era como se a erupção
acontecesse por trás do pano.
Felizmente, o Santiaguito é um vulcão activo, com erupções a cada 40
minutos, e brindou-nos com uma magnífica erupção passado pouco tempo. Por
breves momentos, o céu desnublou-se e o Santiaguito libertou um som estridente
acompanhado de uma enorme nuvem piroclástica que se estendeu no ar por várias
centenas de metros. Vemos rochas a serem expelidas pelo vulcão e a caírem pelo
cone abaixo. Vemos a nuvem a sair da chaminé, com se um mágico soprasse algodão
doce de lá de dentro. A nuvem subia, subia e enchia o céu de cinzas e gases. O
barulho da libertação de energia era impressionante. Estávamos radiantes.

De repente as nuvens reaparecem e voltam a tapar o vulcão. Ainda viria
a abrir por alguns minutos mas nunca mais coincidiu com uma erupção. Estivemos
no mirador desde as 5.30 h até à 9.30 h da manhã e nesse período de tempo
ouvimos 7 erupções mas só vimos uma. Foi pouco mas foi o suficiente para
ficarmos satisfeitos. Afinal, estamos na estação das chuvas e isso condiciona
fortemente a nebulosidade e as condições de visibilidade.
Ao contrário da ideia que a maioria das pessoas tem, nem todos os
vulcões activos expelem lava fluída. Só os vulcões em que o magma tem menos de
50% de sílica é que tem erupções lávicas, onde a lava escorre pelas vertentes
do vulcão a longas distâncias, como acontece no Hawai ou na Islândia.
O Santiaguito, ao contrário dos vulcões havaianos, apresenta erupções
explosivas moderadas, libertando nuvens piroclásticas, com areias, cinzas,
gases e rochas. Desde 1922, altura em que surgiu, tem tido uma actividade quase
constante, com periodicidade irregular. No entanto, desde 2008, a sua
actividade tornou-se mais intensa e o vulcão entra em erupção, em média, a cada
40 minutos. Como o magma tem uma elevada percentagem de sílica (superior a
65%), a lava é menos fluída e o vulcão tem tendência a explodir. Isto ocorre
porque a lava obstrui a chaminé vulcânica. Este tipo de vulcanismo designa-se
por pliniano.
Hoje o Santiaguito tem 2500 m de altitude e é um domo de lava dacítica
que cresce de forma exógena, devido à emissão de fluxos de lava, assim como de
forma endógena, devido à injecção de magma para o centro da cúpula. Nos últimos
anos, a chaminé do vulcão tem mudado de posicionamento e a cratera tem-se
alargando, possivelmente devido à obstrução da chaminé pela lava.
Depois de assistir a um dos maiores espectáculos proporcionados pela
natureza descemos a montanha. Vínhamos satisfeitos, é verdade, mas com o
sentimento de que tínhamos visto pouco. Queríamos mais, muito mais.
Nesse dia apanhamos outro chicken bus para San Pedro de la Laguna, mas
sabíamos que não íamos ficar por aqui. A paixão dos vulcões tinha crescido
dentro de nós e esta experiência no Santiaguito seria apenas a primeira.
Sentados no chicken bus, olhando para trás e vendo os vulcões Santa Maria e
Candelaria, decidimos que iriamos acrescentar um novo objectivo às nossas
viagens: perseguir vulcões activos.
Para quem quiser conhecer melhor este vulcão: