Numa só frase, e sem rodeios, o lago Atitlán é um dos lagos mais
bonitos do mundo.

O horizonte é dominado pelos 3 vulcões (Tolíman, Atitlán e San Pedro)
que se erguem da margem sul do lago, mas todo o lago é rodeado por montes de
encostas íngremes e verdejantes. A
paisagem não engana, e não é preciso ser-se um especialista em vulcanologia
para vermos que o lago ocupa uma enorme caldeira vulcânica, palco de enormes
erupções vulcânicas num passado longínquo. Os especialistas dizem-nos que a
actividade vulcânica nesta região terá tido início há cerca de 11 milhões de
anos, e que desde então ocorreram quatro episódios separados de crescimento
vulcânico e colapso da caldeira, com o mais recente a ter início há 1,8 milhões
de anos, culminando na formação da actual caldeira. A erupção que formou a
caldeira é conhecida como Los Chocoyos, durante a qual foram ejectados até 300
km³ de material vulcânico, sendo que as cinzas foram dispersas por uma área de
aproximadamente 6 milhões de km² (!), tendo sido detectados vestígios desde a
Florida até ao Equador. A actividade vulcânica actual é praticamente
inexistente, mas os terramotos frequentes que se fazem sentir nesta região não
deixam esquecer o seu passado violento.

O lago é igualmente rico em termos culturais, sendo rodeado por
numerosas aldeias nas quais a cultura maia ainda prevalece. Escolhemos a aldeia
de San Pedro La Laguna como a nossa base de exploração do lago, mas logo que
chegámos começamo-nos a dar conta de algumas das consequências de um
determinado tipo de turismo. A aldeia está dividida em duas partes, uma para os
locais e outra para os gringos. A verdade é que, quem percorre as pequenas e
estreitas ruas da localidade, ou janta num dos inúmeros restaurantes de comida
internacional, sabe que aquilo é na Guatemala, mas sente que podia ser em
muitos outros lugares do mundo.

Por esta altura, tínhamos imensas restrições de tempo, pois o fim da
nossa viagem aproximava-se a passos largos, mas ainda queríamos ver imensas
coisas. Assim, decidimos que não poderíamos ficar mais do que um dia no lago (2
noites). Esse dia seria dedicado à exploração das suas margens e aldeias. Mas
quem está assim apertado pelo tempo, sujeita-se às circunstâncias e, no nosso
caso, aquilo que mais nos afectou foi o estado do tempo. O dia esteve sempre
bastante nublado (embora sem chover), fazendo com que as cores da paisagem e da
água não fossem aquelas que a Carla esperava para as suas fotos!
O nosso circuito de barco iniciou-se em direcção a San Marcos, onde
tomámos o pequeno-almoço. Aqui reina o turismo new age, sendo esta localidade
um destino famoso para todos aqueles que procuram cursos de meditação ou
workshops de massagem terapêutica. Mais uma vez, sinto um ambiente esquisito,
como se aquelas pessoas e aquele lugar não combinassem entre si... Mas posso
ser eu!
Em seguida, dirigimo-nos para Panajachel, onde a Carla se deliciou a
fazer compras nos mercados e lojas locais. Até eu tenho de admitir que
estávamos num paraíso para os amantes de artesanato e roupa tradicional... E a
Carla gastou tanto dinheiro (à escala backpacker...) que quase que ficámos sem
dinheiro para voltar de barco! Tivemos de regressar à base para podermos ter
dinheiro para visitar a última aldeia, Santiago Atitlán.
E foi nesta aldeia que finalmente encontrámos o lago de Atitlán ainda
genuíno que procurávamos... Sem um único turista à vista, demos umas voltas
pelo centro da aldeia, visitando a praça em frente da igreja, que tem partes
que datam da sua fundação, em 1571.
E foi nesta igreja, cheia de história, que reflecti sobre o passado
desta região e como ele se reflecte no presente. Logo na entrada, enormes
placas presas nas paredes, e pagas por locais, explicam-nos a história da
fundação da localidade e da construção da primeira igreja, assim como a
história violenta e sangrenta da guerra civil que devastou o país durante
décadas.

Infelizmente, esta história recente da Guatemala confunde-se com a de
quase todos os países da América Central e do Sul. Nascendo do descontentamento
face a injustiças e desigualdades gritantes, a vontade do povo expressa em
eleições livres na Guatemala elegeu um governo dito "de esquerda" em
meados do séc. XX. Numa das primeiras intervenções da CIA a nível de golpe de
estado num país estrangeiro, os americanos certificaram-se que a democracia
ficasse amordaçada por mais umas décadas, para que os negócios pudessem falar
mais alto que a voz dos povos. Mas o descontentamento facilmente passa a raiva
e das palavras passa-se às armas. E assim nasce uma guerra civil entre
guerrilhas de esquerda apoiadas por uma grande franja da população e o governo
despótico de direita apoiado pela força do exército. Os mais fracos são
terroristas; os mais fortes, assassinos de sangue frio. Pelo meio, sofrem
aqueles que deveriam mandar, aqueles cujo coração pertence a esta terra e cujo
sangue corre pela sua terra. As montanhas foram as zonas mais massacradas pelo
exército e Santiago Atitlán foi palco de um massacre, em 1990, que levou a uma
revolta final da população que corajosamente conseguiu que o governo, também
pressionado pela opinião pública mundial, declarasse a zona desmilitarizada e
abrisse caminho às negociações de paz que levariam ao fim da guerra civil.

Quando entrámos na igreja, estava a decorrer uma missa acompanhada de
cânticos e música locais. É realmente impressionante a força que a religião
católica tem neste país e nesta região (os nomes das localidades não são por
acaso...). E enquanto ouvia aquela música hipnotizadora, o meu pensamento
divagou... Regressei aos tempos cruéis da conquista espanhola.

Os maias de Atitlán são predominantemente tsutuiles e caqchiqueles.
Durante a conquista espanhola, os caqchiqueles inicialmente aliaram-se aos
invasores numa tentativa de derrotar os seus inimigos históricos, os tsutuiles
e os quichés, facilitando imenso a missão dos invasores e repetindo a velha
história de "dividir para reinar"... Claro que, mais tarde, tal como
aconteceu em inúmeras regiões desde a cidade do México em 1519, foram eles
mesmos derrotados e submetidos aos espanhóis. E deu-se assim início ao processo
lento e doloroso de morte de uma cultura milenar e ressurreição de alguns dos
seus elementos no seio da cultura vencedora. E assim, embora já não existam
maias em terras guatemaltecas, o sangue maia não morreu completamente, e até
nas cerimónias religiosas que lhes foram impostas há séculos souberam
adaptar-se e sobreviver com dignidade. E é isso que mais me fascina neste povo:
apesar do imenso sofrimento por que passaram, ou talvez devido a ele, continuam
a ter orgulho na sua identidade, sem esquecer a sua história, e olhando para o
futuro com a secreta esperança de que melhores dias virão.