Depois de nos alojarmos em
Chichicastenango e de sermos recebidos por chuvas torrenciais optamos por
usufruir da vista sobre o cemitério (algo que nunca tínhamos tido) e ficar no
nosso hotel a descansar.
No dia seguinte, bem cedo pela
manhã, fomos explorar o afamado mercado domingueiro. Queriamos evitar as
multidões que vêm de Antigua, de Quetzaltenango, do lago Atitlán e até de Guatemala
City. Eram 7 h da manhã e estávamos em frente à pequena igreja de aldeia.
Escolhemos esta igreja para
começar o nosso périplo porque nos pareceu bastante típica e característica.
Ainda bem que o fizemos. Mal surgem os primeiros raios de sol, a população
indígena utiliza esta pequena igreja para os seus rituais xamânicos. Homens e
mulheres balançam lamparinas acesas e proferem palavras de oração caminhando em
frente à porta de entrada como se de um templo se tratasse. Ao mesmo tempo
queimam incenso e espalham o seu fumo pela área e pelos corpos dos presentes. À
medida que o dia vai passando, os rituais sucedem-se alterando apenas os seus
intervenientes.
Depois de presenciar os rituais
maias dirigimo-nos para a igreja de Santo Tomás, a principal da aldeia.
Infelizmente estava fechada, mas a população acumula-se nos seus degraus
exteriores para vender flores, frutas e até recordações aos turistas.
Com o passar das horas da manhã,
a aldeia perde o seu carácter genuíno e transforma-se em "shopping"
guatemalteco. Os vendedores de fruta e flores vão desaparecendo e vão sendo
substituídos por vendedores de artesanato que esperam os turistas, que começam
a chegar às 10 h da manhã.
Com os turistas chegam também os
carteiristas, já perfeitamente conhecedores dos hábitos e costumes dos seus
"clientes". Para não fugir à estatística, também nós fomos roubados
no mercado de Chichicastenango.
Eu, demasiado ocupada a tirar
fotografias a tudo e a todos, andava alheia à atenção que a carteira merecia. O
Rui, demasiado absorvido pela cultura envolvente, baixou a guarda e descurou o
controle da sua carteira. Como eu queria tirar imensas fotos, passamos o
dinheiro que tínhamos para a carteira do Rui. No meio da fila de barracas,
várias mulheres indígenas (valha-nos isso) apertaram o Rui (como se estivesse
no metro de Lisboa em hora de ponta) e abriram-lhe o bolso das calças, sacando-lhe
a carteira. Dois minutos depois já tínhamos percebido o que tinha acontecido
mas era tarde demais. As mulheres já se tinham misturado com todas as outras.


Nós já estávamos de sobreaviso
e sabíamos que tal poderia acontecer,
portanto não tínhamos cartões nem documentos na carteira. Tínhamos deixado tudo
no hotel. Só tínhamos dinheiro. Não era muito, eram 20€, mas custou-nos a
ganhar e era nosso. Por pouco que nos
tenham roubado, ficamos sem dinheiro para almoçar ou para fazer mais compras.
Para nós a visita acabou ali.


Regressamos ao hotel, pegamos nas
mochilas e decidimos seguir caminho. Tínhamos que chegar a Quetzaltenango
naquele dia por isso não havia tempo a perder. Esperamos na estrada nacional
algum tempo por um chicken bus para Quetzaltenango, mas não havia. Em conversa
com a população descobrimos que teríamos de ir até Los Encontros de micro-bus e
aí apanhar um autocarro para Quetzaltenango. Foi isso que fizemos. Como há
micros a cada 10 minutos apanhamos a primeiro que encontramos. Iamos no meio
dos vendedores e das mulheres indígenas que com as suas saias cobriam e
ocupavam vários bancos. Mas, estamos na Guatemala, e cabe sempre mais um ou
dois no micro. Quando estava completamente apinhado iniciou a sua marcha.

Em pouco mais de 20 minutos estávamos
em Los Encontros, um cruzamento na estrada nacional que, como tantos outros, se
transformou em localidade. Mais uma vez estávamos num local pouco recomendável.
Os olhares predadores de alguns homens aparentemente desocupados assustou-nos
um bocado. Estes mesmos olhares assustavam também a população local que se
juntava de forma a proteger-se. Juntamo-nos a eles e tentámos perceber quando
viria o nosso autocarro. Havia a opção de fazer directo até Quetzaltenango ou
fazer até Quatro Camiños e aí trocar. Optamos por fazer directo. Esperamos mais
algum tempo e lá chegou o nosso primeiro chiken bus.

Dois minutos depois de entrar
percebi que, se em Portugal os maus alunos vão para os CEFs, na Guatemala vão
para condutores de chicken bus! Estes condutores devem achar que são todos
heróis do asfalto porque o autocarro circula a uma velocidade assustadora, em
estradas estreitas e em más condições, em contra-mão e fazendo manobras
perigosas a cada 5 minutos. A cada curva à direita sinto-me ser empurrada
contra a janela, batendo com a cara no vidro, a cada curva à esquerda sou
empurrada contra o meu parceiro de autocarro. Isto poderia fazer os passageiros
moverem-se nos bancos mas tal não acontece porque o autocarro vai tão cheio que
que leva 3 passageiros em cada banco de dois, mais uma ou duas dezenas de
pessoas sentadas em baldes do lixo no corredor. Assim, todos juntinhos,
conseguimos superar as inúmeras curvas do percurso.

Estávamos a chegar a Quatro
Camiños quando um senhor nos diz que temos que sair ali. Ao que parece o
autocarro vai para Momostenango e nós temos que sair ali. O quê?, perguntei
eu!!! Então pagamos bilhete até Quetzaltenango, esperamos mais de meia-hora em
Los Encontros para poder ir num autocarro directo e agora ficamos ali?! A
resposta foi... sim! E pronto, tivemos que sair e ficar outra vez de mochila às
costas num cruzamento transformado em terminal, esperando outro autocarro que
nos levasse ao nosso destino.

Dez minutos depois já estávamos
no nosso segundo chicken bus. A teoria confirma-se. Os maus vão mesmo para
condutores de autocarro. Para fazer 10 km andamos uns em cima dos outros,
colamo-nos ao vidro, batemos contra os ferros do veículo. A verdadeira aventura
na Guatemala está em andar de autocarro. Para quê pagar dinheiro em parques
temáticos e montanhas russas?! Aqui a adrenalina custa cerca de 1 euro por cada
hora de viagem! Quando pensamos que estávamos a chegar descobrimos que não.
Afinal este autocarro vai para o terminal que fica a 3 km da cidade. Se
quisermos ir para o centro histórico há que sair antes e apanhar um colectivo.
Toca a sair, toca a pegar nas mochilas, toca a arranjar um colectivo. Ufh...
isto hoje não está fácil!

O colectivo ignora o nosso pedido
para ficar na praça principal da cidade, apesar de ter passado por lá sem
parar, e deixa-nos numa bomba de gasolina umas centenas de metros à frente.
Furiosa, saio do colectivo, pego nas mochilas e caminho mais umas centenas de
metros até chegar à residencial de estudantes onde vamos ficar alojados - Celas
Mayas.
Estamos em Quetzaltenango, dois
dias depois de sair de Cobán, tendo visitado pelo caminho o mercado de
Chichicastenango. Sem dinheiro, cansados, completamente arrasados e um pouco
desmoralizados; foi assim que atingimos com sucesso o nosso objectivo. No
entanto, nada que um bom jantar, uma boa cama e um novo desafio não resolvam:
amanhã vamos subir o Tajamulco, o ponto mais alto da América Central.