Para quem visita diferentes ruínas maias, espalhadas por
áreas geográficas diferentes, e fica a conhecer a sua história, há um facto que
não deixa dúvidas: muitas das cidades maias viveram constantemente em guerra
com as suas vizinhas, numa luta incessante por poder, território e recursos
naturais. Um desses locais, onde se pode constatar esse aspecto da História de
perto, é o sítio arqueológico de Caracol.
Localizado a poucos quilómetros da fronteira com a
Guatemala, e mergulhado em selva tropical, é no entanto (relativamente)
acessível a partir da cidade de San Ignacio. A tour de 1 dia é oferecida por
inúmeras agências locais, que ainda acrescentam ao itinerário uma passagem
pelas piscinas naturais graníticas do rio On, e pela enorme gruta calcária do
rio Frio (nesta última, tivemos a companhia de um militar do aquartelamento
instalado lá ao lado, uma vez que esta zona é conhecida por incursões de
guatemaltecos com propósitos ilegais).


A estrada de acesso tem 2 partes distintas. Na primeira
passa-se pelo cimo de uma serra recheada de pinheiros, que se dão nesta
altitude (fugindo ao calor e humidade das zonas baixas), fazendo com que momentaneamente
nos sentíssemos a percorrer território português! Na segunda, passamos para
selva tropical, ainda que as ruínas se situem num planalto a cerca de 500 m de
altitude. Ao chegarmos, rapidamente percebemos que o nosso guia era mais
versado na flora da região do que propriamente nas ruínas, mas decidimos que
devíamos continuar com o grupo e fazer a visita em conjunto.

As evidencias apontam para que Caracol terá sido um enorme
centro urbano, com quilómetros de estradas a
ligar áreas residenciais aos centros de culto e de comércio. No seu
auge, terá albergado cerca de 150.000 habitantes, mais do dobro que a Cidade de
Belize na actualidade! Apesar de escavado desde 1938, e ainda continuarem
actualmente os projectos de universidades estrangeiras no local, a verdade é
que o que está a mostra é uma pequena parte do que Caracol foi em tempos.
No terreno, a área escavada é dominada pelas praças A e B,
rodeadas por pirâmides e edifícios cerimoniais. Na praça A, subimos a Estrutura
A-2, uma pirâmide de onde se tem vistas fabulosas da praça e edifícios
circundantes, assim como a réplica de uma estela com a maior inscrição
encontrada no Belize.
Na praça B, situa-se a pirâmide Caana ("Lugar do
Céu"), que domina todo o local, sendo ainda hoje o edifício mais alto do
Belize! No seu topo, foi encontrado o túmulo de uma mulher, que se pensa (com
base em descrições encontradas no local) que terá sido uma mulher da família
real de Calakmul que casou com um governante de Caracol em 584.

Caracol foi assim um aliado de Calakmul, na rivalidade com
Tikal, durante o Período Clássico. Na realidade, o confronto com Tikal foi
gravado em pedra, tendo este testemunho (apesar de escrito pelos vencedores)
chegado até aos nossos dias. O local que eu achei mais interessante em Caracol
foi precisamente um pequeno rectângulo de terra, coberto por um telhado de
colmo, onde se encontram pecas fantásticas, originais de estelas e marcadores
de campo de jogo de bola encontrados no local. Em relação a estes últimos, não
será de estranhar os campos de jogo de bola serem "marcados" com
pedras (circulares) cerimoniais, uma vez que se sabe que este jogo estava
intimamente ligado a prática da guerra e a rituais de sacrifício.

Um desses marcadores, o chamado altar 21 (com um grande
signo do dia ahau no centro e 160 glifos em volta, muitos deles danificados ou
apagados), descreve a subida ao poder de um governante, o "Senhor
Água", e um importante acontecimento em 556 d.C., que se refere ao
sacrifício, em Tikal, de alguém importante de Caracol. Este acontecimento terá
aberto as hostilidades entre Caracol e Tikal, que culminou em 562 com a vitória
de Caracol. Tikal terá vivido durante 150 anos subjugado a Caracol, sujeito ao
pagamento de tributos, e os arqueólogos que trabalham em ambos os sítios
encontraram evidencias que este período coincide com o de maior desenvolvimento
de Caracol e com uma estagnação de Tikal.

Na Estela 3, lê-se que o "Senhor Kan II"
estabelece uma aliança com Calakmul, abrindo a seguir as hostilidades com uma
cidade vizinha, Naranjo, em 631, com a usual captura do governante vencido e
seu sacrifício (podem observar-se numa fabulosa estela a representação de 2 capturados,
com as maos atadas atrás das costas). Estas políticas agressivas de expansão e
conquista terão tido as suas consequências pois, no final do século VII,
Caracol "colheu o que semeou", tendo sido conquistada por Naranjo.
Seguiu-se o declínio da cidade, tendo sido abandonada no final do do século IX.
Apesar de sabermos que, normalmente, a "História"
é a história escrita na perspectiva dos vencedores, Caracol constitui um sítio
fascinante para a compreensão do Período Clássico dos Maias, o auge desta
civilização, e, sendo assim, é uma visita obrigatória no Belize.