"Ouro sobre azul" é a
expressão que entoa na minha cabeça quando chego a Hierva el Agua, no vale de
Tlacolula, a Este da cidade de Oaxaca.

Quando viajamos sentimos que o
tempo nunca é suficiente. Chegamos a uma localidade, programamos conhecer
alguma coisa mas ficam sempre tantas por visitar. Quando se viaja sem
itinerário é mais fácil contornar este problema mas quando se viaja, como nós,
com um roteiro delineado e uma centena de lugares obrigatórios, sabemos que
muitos lugares fantásticos irão ficar para trás. Desde que começámos a viajar
decidimos sempre fazer um itinerário que tentamos manter. Para que não sejam
muitos os lugares que nos façam tremer e querer alterá-lo passamos semanas em
frente aos mapas, aos livros, aos atlas e a internet, tentando encontrar todos
os lugares singulares. Quando colocamos todas as opções no mapa descobrimos que
precisaríamos de meses só para cada país. É aí que começa a difícil tarefa de
decidir o que vai ficar para trás. Ficam sempre lugares incríveis, que por si
só justificariam outra viagem (que um dia esperamos fazer), mas avançamos com
lugares que para nós são "ouro sobre azul".

Na região de Oaxaca elegemos o
Vale de Tlacolula, com ocupação humana há mais de 2500 anos, como um lugar
obrigatório. Neste vale, repleto de pequenas povoações que albergam minorias
étnicas, esperávamos encontrar um património cultural diversificado. As nossas
expectativas foram amplamente superadas.
Saindo de Oaxaca, a nossa
primeira paragem foi em Santa Maria del Tule, uma pequena aldeia que virou
atracção turística graças ao ser vivo mais velho do mundo. É a árvore de Tule,
um espécime de Taxodium mucronatum com 14 m de diâmetro e 42 m de altura. A velha árvore tem mais de 2000 anos e é
gigantesca. Já viu passar por aqui Olmecas, Zapotecas, Mixtecas, Aztecas e
espanhóis. A árvore de Tule viu crescer e ruir impérios de civilizações que nós
só conhecemos as ruínas. Foram os espanhóis que construíram o recinto onde ela
hoje se encontra, ao lado do mosteiro e igreja de Tule.

A viagem prossegue e paramos na
aldeia de Teotitlan del Valle, a povoação zapoteca mais antiga do vale de
Tlacolula. A herança dos zapotecas perdurou, mesmo depois da conquista
espanhola e aqui vivem alguns dos sobreviventes deste grupo étnico. Tal como a maioria
dos povos indígenas do México, viram as suas cidades saqueadas e destruídas
pelos homens de Cortez mas, apesar de se converterem ao Cristianismo,
conseguiram preservar muitas das suas tradições e culturas, nomeadamente a
língua (amplamente difundida na
comunidade local) e a tecelagem. Os Zapotecas são artesãos exímios na tecelagem
de tapetes coloridos, recorrendo a corantes naturais como insectos, musgos e
plantas autóctones. Visitamos uma cooperativa onde uma jovem zapoteca nos
explicou o dia-a-dia dos artesãos e o processo de tecelagem.
O povo Zapoteca perdura nos vales de Oaxaca, especialmente em pequenas comunidades. As outrora cidades-estados foram arrasadas e uma delas foi a paragem seguinte: Mitla. Aquando da chegada dos espanhóis, em 1521, a cidade florescia e contava com mais de 10 mil habitantes. Tinha uma arquitectura e decoração dos edifícios distinta de tudo aquilo que até hoje foi descoberto na Mesoamérica: vastos frisos com motivos geométricos decoravam as fachadas dos templos e palácios. Do esplendor de outrora pouco resta. Os "conquistadores" conquistaram a cidade e destruíram os seus edifícios para construir a igreja de San Pablo por cima. Do pouco que restou ainda é possível ter uma ideia da magnificência do local ou descer a um túmulo subterrâneo.

A nossa viagem prossegue pelo
vale ladeado por vertentes mais ou menos íngremes onde os desabamentos e
deslizamentos frequentes lembram o poder da natureza. O poder da natureza foi aquele
que criou Hierva el Agua, uma formação cársica muito semelhante ao que existe
em Pumakkhale, na Turquia. A estrada asfaltada termina alguns quilómetros
antes. Depois é preciso seguir por uma caminho de terra-batida e no final
descer um trilho rochoso com cerca de 1 km.
Hierva el Agua é também conhecida
por "Cascadas Petrificadas de Oaxaca" pois a sua aparência lembra
quedas de água fossilizadas. A verdade é que o processo que está na origem da
sua formação tem directamente a ver com a formação da rocha calcária e a
precipitação do carbonato de cálcio devido ao escoamento de água superficial. O
resultado é a formação de pequenos diques naturais de variadíssimas formas que
permitem o aparecimento de piscinas naturais.

No tempo que tínhamos disponível
conseguimos visitar duas "cascatas petrificadas" e ainda tomar banho
numa piscina dos deuses. Infelizmente não deu para mais mas pareceu-nos que
haviam mais cascadas, algumas delas escondidas pela vegetação luxuriante
(especialmente se pensarmos que estamos a 2500 m de altitude). De regresso ao vale, voltamos em
direcção a Oaxaca. O dia tinha sido longo mas ainda não tínhamos provado o
elixir da região: o Mezkal. Paramos numa exploração local e artesanal onde
aprendemos todo o processo de produção do Mezkal, desde o agave (planta a
partir da qual é feito) até a garrafa com o lagarto no interior. No final havia
que provar mais de 30 variedades da bebida, muitas delas aromatizadas e
deliciosas. É pena a mochila não ser como o saco do Sport Billy!

Terminamos o nosso dia no Vale de
Tlacolula com um elixir, esperando que também ele a nós nos traga juventude.
Nao ambicionamos viver 2000 anos, como a árvore de Tule, mas ambicionamos viver
os suficientes para continuar a caminhar pelo mundo e a descobrir lugares
"ouro sobre azul".