O comboio percorre os carris. O Expresso do Oriente contorna a parte histórica de Istambul e do lado direito vejo o nascer do sol no Mar da Mármara. Estou definitivamente no fim do continente europeu e já vejo à minha frente o Estreito de Bósforo. Mais um marco geográfico que tenciono guardar na memória e no coração.
A cidade de Istambul há muito que me fascinava. É um local ímpar no mundo, uma cidade dividida por dois continentes. A cidade histórica de Istambul e a moderna Besikas radicam no continente europeu, ao passo que a parte de Uskudar localiza-se para lá do Bósforo, no continente asiático. Que outra cidade se pode dar a tamanha grandiosidade?
Istambul está no imaginário de todos mas no de um geógrafo é uma referência constante. Chegar a Istambul e ver o estreito de Bósforo é maravilhoso. Uma sensação incrível e inexplicável. As águas negras do Bósforo fluem do Mar Negro em direcção ao Mar da Mármara e por conseguinte ao Mar Egeu depois de atravessar o estreito de Dardanelos. Haveria certamente muitas formas de aqui chegar mas não me lembro de nenhuma melhor do que a bordo do Expresso do Oriente.

O estreito de Bósforo, com cerca de 35km de comprimento, separa a Europa da Ásia e une o Mar Negro ao Mar da Mármara. Apenas 650m separam o velho continente do mítico oriente, na parte mais estreita do Bósforo, mas a sua largura atinge 4,5km. A população cruza-o diariamente nas dezenas de ferries existentes. No entanto, muito mais do que ferries atravessam o Bósforo. O tráfego de transporte marítimo é impressionante. Centenas de barcos que transportam mercadorias atravessam-no diariamente rumo ao Atlântico. Esta é a passagem dos petroleiros carregados de crude com origem no Azerbaijão e no Mar Cáspio. O mundo aguarda este recurso energético como pão para a boca e os petroleiros que cruzam o Bósforo parecem estar a desempenhar eficazmente o seu serviço. No entanto, as águas mostram-se bastante negras e os níveis de poluição não enganam. A maioria dos ecossistemas existentes no Bósforo estão em risco.

Mas o Bósforo esconde algo que poucos sabem. A corrente do Bósforo flui em duas camadas, transportando na camada profunda água do mar do Mediterrâneo para o Mar Negro e recebendo em retorno uma mistura de água do mar e água doce com o dobro do volume na camada superior. Existem assim duas correntes de direcção oposta, uma delas suficientemente forte para criar um rio por baixo de água e que circula a cerca de 35m da superfície. Esta descoberta feita por cientistas da Universidade de Leeds, com o recurso a robots submarinos, é o único rio debaixo de água activo encontrado até ao momento.
O Mar da Mármara, cujo nome deriva das jazidas de mármore em algumas das suas ilhas, é um mar interior, apesar de não ser um mar fechado. Está confinado entre dois continentes e permite o contacto do Mar Morto com o Mar Egeu e por conseguinte o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. A abertura do Mar da Mármara está ligada à acção da tectónica que se manifesta numa enorme falha geológica que o atravessa transversalmente e que é responsável pelos inúmeros sismos que assolam esta região da Turquia e pelos seus mais de 1200m de profundidade.
Chegar a Istambul e apreciar o estreito do Bósforo, o Mar da Mármara, a Europa e a Ásia é um privilégio.