A guerra do Vietname não é
conhecida por esse nome no Vietname, sendo sim referida como a guerra da América. Tem toda a lógica, não
só porque é o “outro” lado a olhar para a mesma guerra, mas principalmente
porque foi a América (leia-se a nação dos EUA) que a gerou e que a fez crescer
alimentando-a com carne e sangue. Aquando da tomada de Hué pelos vietcong,
resultante da ofensiva do Tet (ano novo) em 1968, um oficial do exército
norte-americano disse: “Temos de destruir a cidade para a salvar.” Assim o
fizeram, tal como ao país inteiro. Assim é o pensamento desta nação, para quem
os outros são os terroristas, os “evil-doers”, enquanto a nação abençoada por
Deus tem como missão espalhar a democracia, nem que seja a ferro e fogo.

No museu da guerra em Ho Chi
Minh, podemos ver fotos e descrições das inúmeras histórias de sofrimento que
se escondem detrás das estatísticas frias e calculistas. Por exemplo, a
história de My Lai, uma pequena aldeia que foi palco de um massacre de centenas
de civis, a maioria mulheres e crianças, feito por tropas das operações
especiais dos EUA, como retaliação pela morte de companheiros. Ou os
testemunhos chocantes das consequências do uso do “agente laranja”, uma arma
química desenvolvida por empresas nos EUA para dizimar as densas florestas
tropicais que escondiam o inimigo, e cujos efeitos se fazem sentir nos
descendentes daqueles que tiveram contacto directo com a substância. Assim se
faz a história da guerra, a ferro e fogo…

Em 1950, ainda a guerra da
independência entre vietnamitas e franceses se iniciava, já os EUA enviavam
conselheiros militares e agentes da CIA (na altura, OSS) e crê-se que
financiavam cerca de 80% do esforço de guerra francês. Com a derrota eminente
dos franceses, os americanos tomaram gradualmente as rédeas do poder no
Vietname do Sul, uma época que é bem retratada no filme “O americano tranquilo”
(no original, “The quiet american”), baseado na obra homónima de Graham Greene
e que conta com a interpretação de Michael Caine. Levando ao poder um católico
profundamente anti-comunista, os EUA foram cúmplices num regime que baniu
partidos políticos, fechou mosteiros budistas e tomou todo o tipo de medidas
repressivas direccionadas à população. Tudo em nome do combate ao comunismo, o
grande Satã, personificado nas nações do eixo do mal. Em protesto, vários
monges imolam-se em público, imagens que correriam mundo.


Em 1964, deu-se a escalada do
conflito. Com o avanço dos vietcong, o centro do Vietname parecia prestes a
cair. Em Agosto desse ano, dá-se o incidente do golfo de Tonkin: 2 barcos de
guerra norte-americanos são alegadamente atacados junto à costa
norte-vietnamita, levando a uma resposta pronta do presidente dos EUA, Lyndon
Johnson (Kennedy tinha sido assassinado poucos meses antes), com o apoio
incondicional do congresso, ordenou o bombardeamento do Vietname do Norte. Em
Março de 1965, as primeiras tropas de combate desembarcam em Danag e, em
Dezembro desse ano, o nº de militares americanos no terreno ascende já a cerca
de 185 000 efectivos, atingindo o seu auge 2 anos e meio mais tarde, com 540 000
homens no terreno.


A estratégia dos EUA baseava-se
na “pacificação” de zonas ocupadas pelos vietcong, através de acções de
“procura e destruição”, de modo a criar áreas “seguras”. Os vietcong usavam o
seu conhecimento do terreno para combaterem uma guerra de guerrilha, usando
redes de tunéis (como os que se podem visitar em Cu Chi, perto de Saigão),
pontes e trilhos dissimulados, para surpreender o inimigo e avançar e retirar
sem serem detectados.
Ao longo do tempo, a exposição
mediática das elevadas baixas americanas (ainda assim, baixíssimas em
comparação com as baixas militares e principalmente civis do lado vietnamita),
e a perda da suposta legitimidade moral pelo bombardeamento indiscriminado
usando napalm (uma das fotos mais conhecidas do século XX mostra uma menina a
correr nua numa estrada, queimada, após um bombardeamento) faz com que a
opinião pública americana seja cada vez mais pro-pacifista.

No início dos anos 70, a hipótese
de acordos de paz começou a ser levada a sério, concretizando-se em 1973, não
sem antes terem sido feitos bombardeamentos maciços como forma de “persuasão”
nas negociações. Mas, ainda assim, o Nobel da paz foi entregue a Kissinger…
Começou a retirada das tropas no terreno, sendo que o exército do Vietname do
Sul deixou de poder esconder as suas deficiências, colapsando rapidamente. Os
vietcong tomariam cidade após cidade, muitas vezes sem combate, e a 29 de Abril
de 1975 os últimos americanos em Saigão são evacuados de helicóptero. Terminava
assim a guerra no terreno, prolongando-se no entanto por outros meios,
nomeadamente o embargo económico, que se prolongou ate 1994.

Escrevendo esta crónica em 11 de
Setembro de 2011, 10 anos após os acontecimentos que marcaram indelevelmente o
início do século XXI, criando novos inimigos e novas nações malfeitoras, não
posso deixar de sentir um intenso deja vu e pensar que podiam existir,
espalhados pelos 4 cantos do mundo, muitos museus da guerra da América e que,
daqui a 30 anos, haverão talvez outros, igualmente com fotos chocantes e
histórias comovedoras, em Bagdad ou Kabul. ATÉ QUANDO?