Há pouco mais de dois meses,
encontrava-me a relaxar numa praia de Tel’Aviv. Cidade moderna, transbordando
hedonismo, contrasta imenso com as sociedades tradicionais e conservadoras que
conhecemos ao longo desta viagem. Chegavam assim ao fim quase dois meses de um
périplo pelo Médio Oriente, com um cheirinho já a casa: um Sábado passado na praia,
divididos entre banhos de mar e de sol, acabando a admirar um pôr-do-sol
fabuloso, sentados numa esplanada de um restaurante-bar com música de fundo.
Agora, dois meses depois de termos desembarcado no Porto, será talvez
inevitável uma pequena reflexão acerca desta aventura pelas areias do Médio
Oriente, mesmo sabendo que as imagens que ficam e aquelas que passam dependem,
obviamente, daquele que as vivenciou.

Os factores físico e humano (os
dois ramos da Geografia!) sempre foram, para mim e para a Carla, o motor das
nossas aventuras e esta não foi excepção. Parti do Porto rumo ao Cairo com
grandes expectativas quanto aos nossos destinos. As paisagens deslumbrantes do
deserto sempre me fascinaram e, durante o nosso percurso, não fiquei por uma
vez desiludido. Apesar de termos estado praticamente sempre em terreno
desértico, a verdade é que todos os desertos são diferentes: a textura da areia
e terra, a coloração das rochas, o tom do céu e nuvens e, claro, o carácter dos
seus habitantes. Desde a beleza hipnótica do grande mar de areia no Egipto
Ocidental, até às planícies sem fim da Síria, passando pelos rochedos de Wadi
Rum ou da Península do Sinai e pelas águas do Mar Morto ou do Mar Vermelho,
esta viagem foi inesquecível na quantidade e qualidade das passagens naturais
que tivemos o prazer de ver com os nossos olhos. E digo-o desta forma porque,
por muito revolucionária que seja a fotografia e vídeo e a sua influência nas
nossas vidas, a verdade é que nada substitui a experiência directa, o sentir na
pele e ossos o que uma imagem nunca poderá transmitir, por muitos pixeis que
possa ter.

Outra coisa que aprecio imenso e
que retenho após as nossas viagens é a sensação real do espaço físico em que
vivemos. Podemos conhecer o mapa-mundi de trás para a frente, saber de cor as
fronteiras que os países fazem uns com os outros, mas só temos noção das
distâncias e dos tempos quando percorremos o terreno. De Siwa a Palmira,
percorremos por terra e mar milhares de quilómetros, atravessando 4 países, e
só desta maneira pode nascer em nós um conhecimento real daquilo que é
necessário andar e quanto tempo demora. Depois disto, já não é preciso decorar
um mapa para saber. Nós estivemos lá!

Mas, tal como quem viaja sabe, as
fronteiras não são físicas, mas sim políticas. Vivemos num mundo ditado por
leis físicas, mas o homem por muitas mais. Rivalizando com a paisagem, temos
sempre presente a diversidade cultural dos povos, por vezes chocante, outras
vezes reconfortante. E numa época em que alguns agitam a bandeira do choque de
civilizações e alertam para as suas consequências impossíveis de prever, nada
melhor que conhecer um pouco melhor o outro lado. E neste aspecto, a cultura
que fomos conhecendo ao longo da nossa viagem tem, como todas, um lado de luz e
outro de sombra. Os mesmos que erigiram monumentos fabulosos, que criaram
escolas de arte e ciências, que sabem receber os forasteiros e fazê-los sentir
quase em casa, são os mesmos que mataram e escravizaram ao longo dos tempos, em
nome de algo que não conheciam, e que hoje menosprezam metade da humanidade com
base unicamente na diferença de género. Estou a falar deles, mas também podia
estar a falar de nós. Somos diferentes? Sim. Mas também somos iguais.


Passando por locais cheios de
história, pudemos absorver um pouco disso e enriquecer a nossa visão dos
outros, e de nós próprios. Território disputado ao longo de milénios, só é
possível perceber um pouco melhor as razões e os porquês indo lá, e percorrer
as ruas das cidades, os campos, os locais religiosos e históricos. Calcorreando
estas terras, desde o berço do Egipto até à Terra Prometida, fizemos o nosso
Êxodo e pisámos a mesma terra que foi pisada por Homens e Deuses, a mesma terra
testemunha de mensagens de paz e esperança, mas que absorveu o sangue e corpos
daqueles que as ouviram mas não as compreenderam. Foi assim no passado, e é
assim hoje. Como será o futuro?

Pessoalmente, devo dizer que
tenho sempre prazer em voltar a casa. Onde quer que vá, lá no fundo nunca
desligo das pessoas que gosto, dos ambientes e cheiros familiares e nunca, mas
nunca, me senti como me sinto em casa. Talvez não seja um verdadeiro viajante!
Mas ao mesmo tempo adoro viajar. Ou melhor, mais do que isso, adoro ter
viajado. Adoro que tudo aquilo que vi e experimentei seja uma oportunidade única
de perceber melhor o mundo em que vivo, saber que aquilo que me rodeia é apenas
um grão de areia num vasto deserto. E, acima de tudo, viajar permite-me ir
reconhecendo que, quanto mais pessoas e lugares conheço, só sei que nada sei.