Nos dias em que estivemos em
Belém, na Cisjordânia, visitamos o campo de refugiados de Dheisheh, na estrada
que vai de Belém para Hebron. Ainda estivemos indecisos se o deveríamos ou não
fazer mas mão queríamos ir embora sem ver esta realidade. Ainda bem que o
fizemos.
Fomos recebidos por um rapaz novo
que nos explicou que o campo foi criado em 1948/49, pela ONU, com refugiados
provenientes de 47 aldeias palestinianas que ficaram do lado de Israel aquando
da criação dos dois estados. Albergava inicialmente cerca de 3500 refugiados. O
campo começou por ser um local temporário com tendas mas depressa a ONU
percebeu que as coisas não iam ser temporárias e, à medida que os anos foram
passando e o número de refugiados ia aumentando, a ONU foi construindo abrigos
e casas. Hoje, mais de 60 anos depois, o campo de refugiados deixou de ter
tendas e tem prédios. Assemelha-se a qualquer bairro social pobre duma cidade
ocidental.

Segundo o jovem, a polícia
israelita faz rusgas no bairro todas as noites e continua a prender e a exercer
represálias sobre os jovens palestinianos. No entanto, isto parece-nos
esquisito porque o campo está sob alçada da ONU que aparentemente nada faz. A ONU
tem um médico, uma escola com professores e um infantário. Estas estruturas são
insuficientes já que um único médico serve uma população de 13 000 habitantes.
As salas de aula têm mais de 50 alunos.
As tropas israelitas, ao que
parece, continuam a exercer força e instalam o medo no campo. As represálias
vão desde as simples detenções a sovações de famílias completas, destruição de
habitações e demolição de prédios. Nas paredes do bairro vêem-se grafites de um
rosto repetidamente. Ao que parece é um mártir que vivia no bairro e foi morto
pelos soldados israelitas.
Quando subimos ao telhado de um
dos edifícios, o jovem mostra-nos a extensão do campo. É impressionante. O
rapaz chama a nossa atenção para um pormenor que nos teria passado despercebido
(pelo menos no Médio Oriente): as habitações têm dezenas de depósitos de água
nos telhados. Ao que parece Israel corta frequentemente o abastecimento de
água. Esta situação deixa a população em situações de privação.
De repente, uma das frases que vi
escritas no muro faz sentido na minha cabeça "Turn on the water"!
Mas, o pior não era isso. Nestes períodos, o exército israelita dispara sobre
os depósitos tentando esvaziá-los e diminuindo a quantidade de água que a
população dispõe.
Ao fundo vemos o muro que tanto
nos envergonha e que serpenteia os campos . Este muro que todos sabemos que
estão a construir e que, toda a gente finge não ver! É vergonhoso. Os
palestinianos chamam-lhe "Apartheid Wall" porque é mais um muro
discriminatório!
O rapaz aponta-nos a construção
de um novo colonato e nós vemos as casas e as máquinas a operarem. Queixa-se da
presença de colonos e acusa Israel de estar a tentar criar uma faixa de
colonatos entre Hebron e Belém para tentar dividir a Palestina. Segundo ele,
estes colonatos recebem judeus americanos que vêm de férias por períodos de
poucos meses.
Quando o questionamos sobre a
situação futura da Palestina e os acordos que agora vão começar mostra-se muito
céptico e diz que não vão dar em nada. "Serão apenas uma oportunidade para
os lideres comerem juntos", diz em tom de desilusão. Acusa inclusive a
Autoridade Palestiniana de ser corrupta.
Perguntamos-lhe o que ele achava
que deveria acontecer com a cidade de Jerusalém, no caso de as negociações
acertarem na criação efectiva de dois estados soberanos e independentes.
Segundo ele, os palestinianos não aceitam dois estados. "Dois estados já
eles têm e já está visto que não resulta", diz. Querem um só estado na
Palestina, como era antes de 1948 e tendo Jerusalém como capital. Ficamos um
bocado incrédulos porque achávamos que esta era a posição dos mais radicais mas
não de todos os palestinianos. Perguntamos-lhe "Então e os judeus, para
onde irão?" Segundo ele, poderão continuar cá mas num estado muçulmano
governado por palestinianos. Diz-nos que enquanto existir um estado de Israel
nunca haverá paz porque este tentará sempre controlar a Palestina. Saímos do campo mais desiludidos
e cépticos do que poderíamos pensar. A paz nunca será possível aqui. Israel
nunca desistirá de ser um estado. Lutaram muito para chegar aqui. Os judeus
também pertencem a este local. O que fariam num estado palestiniano? Com
certeza seriam perseguidos, vítimas de graves violações dos direitos humanos.
Iniciar-se-ia, com certeza, uma nova diáspora.

Os palestinianos, no entanto, não
têm culpa dos erros cometidos pela ONU em 1948 e já foram bastante penalizados
por isso. Mereciam o seu estado de volta. Há palestinianos espalhados pelos
quatro cantos do mundo. Estão refugiados porque a ONU criou um novo estado no
que era o seu país. Mas, hoje, 60 anos depois as coisas têm outra dinâmica. A
paz seria possível se Israel retira-se da Palestina. Se houvesse dois estados
de facto e se os colonatos desaparecessem. Demasiados SEs!?
A questão de Jerusalém iria ser
muito complicada mas o tempo poderia trazer a criação de uma cidade-estado tipo
Vaticano. No entanto, os palestinianos não querem dois estados. Não querem a
Cisjordânia como uma Palestina independente. Querem o desaparecimento do estado
de Israel. Isto os judeus nunca irão permitir. Por outro lado, a política de
Israel também não parece coadunar-se minimamente com os diálogos dos acordos de
paz. Vemos à nossa volta colonatos que parecem autênticas cidades onde a
população judaica tem porte de arma para se defender dos palestinianos. Eu
pergunto-me... Não são os colonos que estão a invadir? Quem se deveria estar a
defender-se aqui?
A construção de colonatos ocorre
à nossa frente. O muro cresce a olhos vistos. Estarão estes acordos a criar
falsas esperanças na comunidade internacional? Por terras de Israel e da
Palestina ninguém parece acreditar neles. Para que servem então? Ou melhor,
para quem servem então? Será mais um jogo político para preparar algo que aí
virá? Deixamos para trás o campo
levando na memória o artigo 194 das Nações Unidas que dá direitos aos
refugiados palestinianos e que se encontra gravado numa laje na entrada do
Centro de Refugiados. Na porta passamos por uma torre que seria de guarda e era
o único acesso ao campo nos primeiros anos da sua existência.

A realidade palestiniana é muito
mais dura do que poderíamos pensar. O estado da Palestina não existe de facto e
a Autoridade Palestiniana não tem "grande autoridade" por aqui! Na
Cisjordânia, a Autoridade Palestiniana só controla 3% do território que se
resume a algumas cidades tais como Ramallah, Belém, Nablus, Jénin, Jericó e
parte de Hebron. Esta é a chamada Zona A. 70% do território está na chamada
Zona C, controlada militarmente pelo exército israelita e onde a Autoridade
Palestiniana não consegue intervir. Está na sua maioria ocupada por colonatos
ou áreas actualmente despovoadas. Os restantes 27% do território é a chamada
Zona B, controlada militarmente por Israel mas com população palestiniana.
Estamos num dos locais mais
sagrados para as três religiões monoteístas. Independentemente da religião,
penso que todos os seus deuses teriam vergonha de ver o que se passa aqui.
Estariam desiludidos com a espécie humana, com aquilo que chamamos de
"humanidade" e que nos distingue dos restantes animais. Que futuro
haverá para estes países? Tenho medo, muito medo da resposta!