Depois de ver alguns
documentários do Charley Boorman lembrei-me que esta nossa viagem poderia ter o
mesmo nome que a série televisiva criada pelo companheiro de Ewan Macgregor -
By any means! Neste nosso périplo pelo Médio Oriente experimentamos um conjunto
de meios de transporte, alguns mais convencionais outros menos, mas todos eles
foram ímpares e permitiram-nos diferentes perspectivas do território.
1º AVIÃO: Começamos, como a
maioria dos viajantes, por atravessar o nosso continente a bordo dum avião. Do
Porto para Madrid, de Madrid para Roma e de Roma para o Cairo... foram TRÊS
viagens de avião!!! Estávamos a preparar-nos para uma viagem por territórios
(teoricamente) "hostis" por isso aproveitamos para nos documentarmos
um bocadinho melhor a bordo.Regressamos igualmente de avião mas de Tel'Avive
para Roma, de Roma para Londres e de Londres para o Porto.

2º TÁXI: Uma vez no Cairo
tínhamos que chegar a Khan al-Khalili, o bairro muçulmano da cidade e o local
por nós eleito para iniciar a nossa viagem. Depois de regatear bastante com
mulheres e homens taxistas lá conseguimos um táxi (a cair de podre) que aceitou
levar-nos por 60LE! Nada mau. Até fizemos "amigos" entre os taxistas.
O Rui foi "baptizado" de Mustafa e eu de Fátima como nomes
muçulmanos!!! Foram muitas as viagens de táxi que fizemos nestas semanas. Mas
algumas guardamos com mais carinho, especialmente pela simpatia dos taxistas.
Uma, em Kharga, nos oásis do Deserto Ocidental não esqueço. O nosso taxista era
um ancião tão curtido que passava o tempo a dizer que não sabia falar inglês
mas ia falando... apontava para todo o lado e dizia "Kodak". Era
delicioso... eu, para variar tinha que tirar a fotografia! Não podia desiludir
o nosso anfitrião. Foi uma viagem fantástica a que ele nos proporcionou pelas
redondezas do oásis. O seu nome... nunca cheguei a perceber mas gostei do
pormenor da "Nike"!!!

3º AUTOCARRO LOCAL: Um viajante
faz inevitavelmente dezenas de viagens de autocarro porque permite-nos chegar a
quase todos os lugares de forma bastante económica. Os autocarros locais são os
mais característicos e uma autentica aula de cultura e modos de vida. Desde os
autocarros urbanos em Alexandria, onde se passa o dinheiro do bilhete de mão em
mão até chegar ao motorista e depois se aguarda pelo troco, aos autocarros
nocturnos no deserto egípcio cheios de homens machistas, passando pelos
autocarros a cair de podres no deserto da Síria, a nossa viagem foi recheada de
aventuras a bordo deste meio de transporte. As viagens nocturnas deixaram-nos
com o corpo moído e cheios de dores nas costas. No entanto, proporcionavam-nos
"pernoitas" baratas já que evitávamos o pagamento do alojamento numa
noite. Sendo assim, aproveitávamos sempre que nos era permitido. Foram muitas
as horas dormidas nos autocarros, as pessoas que conhecíamos, as conversas que
tínhamos e as magníficas paisagens que cruzávamos. Apesar de nos estarmos
sempre a queixar destas viagens, elas são com certeza um dos pontos altos de
qualquer viagem.

4º COMBOIO: Para um amante dos
Caminhos de Ferro como é o Rui, é completamente impossível contornar uma boa
viagem de comboio. Sempre que temos possibilidade, optamos por este meio de
transporte. Este ano foi mais difícil porque a Jordânia, a Palestina e a Síria
praticamente não têm rede ferroviária pelo que nos restringimos a utilizar o
"cavalo a vapor" no Egipto e em Israel.
Entre o Cairo e Alexandria
atravessamos o magnífico Delta do Nilo vislumbrando o pôr-do-sol entre os
minaretes das mesquitas, os pombais e os campos de arroz. Uma viagem memorável.
Entre Asyut e Assuão acompanhamos o curso do Nilo, desta vez em direcção a
montante, e fomos entrando no auge da Civilização Faraónica.
Em Israel, tendo sempre a
companhia dos milhares de soldados que se deslocam de comboio, percorremos o
litoral do país circulando sobre carris. As estações e os comboios são
modernos, cómodos e sempre "bem guardados"! Nunca pudemos transportar
bombas ou armas já que os detectores e os soldados israelitas nos demoviam
dessa intenção mas... quem sabe não fica para a próxima! É surreal as vezes que
nos perguntam "Bomb? Gun?" e nós temos que responder "No bomb or
guns"!

5º TÁXI PARTILHADO: Os táxis
partilhados são uma excelente forma de deslocação nos "ditos" países em
Vias de Desenvolvimento. A ideia é partilhar um táxi com outras pessoas que vão
para o mesmo destino e assim conseguir preços mais baratos. É extremamente
económico e muito mais ecológico porque diminui o número de carros particulares
que circulam (temos muito aprender com estes países). Sempre que foi possível
recorremos ao táxi partilhado, especialmente para cruzar fronteiras. Foi o que
fizemos entre a Jordânia e a Síria, nos dois sentidos. Ficou bastante
económico, sendo que a viagem entre Amã e Damasco ficou por 12€ por pessoa. O
táxi aguarda por nós nas fronteiras e os taxistas (que não falam inglês) tentam
auxiliar-nos da melhor maneira nas formalidades. Comparativamente com os
autocarros são muito mais rápidos e o preço é quase o mesmo.
6º FELUCA: As felucas são
barcos típicos do Nilo e movimentam-se graças à força do vento. O Verão não é
propriamente a melhor estação para andar de feluca porque os ventos vêm
essencialmente de sul, o chamado Vento de Sudão, e é muito quente e com pouca
força. Só ao final do dia, uma brisa permite viajar no Nilo a bordo da felluca.
A nossa primeira experiência foi no Assuão à volta da ilha Elephantina. Mas...
não havia vento e os nossos remadores tiveram que fazer exercício físico
intenso durante duas horas. O Rui ficou no leme e eu... tirava fotografias!!!
Alguém tem que fazer o trabalho duro!
Em Luxor, voltamos às felucas e,
agora com vento, desfrutamos do verdadeiro prazer de navegar no Nilo como
tantos exploradores oitocentistas o fizeram.
Inicialmente tínhamos a pretensão
de navegar o Nilo de Feluca entre o Assuão e Edfu, a sul de Luxor, mas as
temperaturas registadas e a falta de vento no Verão fez-nos alterar os planos.
Para quem tiver oportunidade de viajar no Egipto noutras estações do ano penso
que deve fazê-lo. Será certamente um dos pontos altos de qualquer viagem.
7º BARCO DE CRUZEIRO: Excluída a
possibilidade de descer o rio de feluca optamos pelo barco de cruzeiro. Com
MUITO mais comodidade do que estamos habituados fomos aproveitando os dias a
bordo para descansar, tomar banhos de piscina, comer e desfrutar das magníficas
paisagens do Nilo vistas do andar de cima! É uma excelente forma de viajar
embora incaracterística, mas ao mesmo tempo reconfortante quando estão cerca de
50º C no exterior.

8º FERRY: Apesar de viajarmos no
deserto fartámo-nos de andar de barco. Entre o Egipto e a Jordânia atravessamos
de ferry, uma forma rápida e eficaz de cruzar a fronteira entre estes dois
países. Tal como dezenas de viajantes mochileiros apanhamos o ferry em Nuweiba
e cruzamos o Golfo de Aqaba. Na viagem vemos a costa da Arábia Saudita. Tão
longe e ao mesmo tempo tão perto! O Rui ainda me lança o isco "vamos para
a Arábia Saudita?". Ele sabe que eu não resisto a um bom convite! Mas
não... tive que declinar! O objectivo, desta vez, é outro - Jordânia e Síria.
Quem sabe num futuro próximo?
9º LANCHA: Água... outra vez um
transporte aquático? Afinal vocês não estiveram no deserto?! É o que devem
pensar mas não é verdade. A verdade é que estivemos no deserto mas andamos
muito de transporte aquático porque, mesmo no deserto, o mundo gira à volta da
água.
Em Hurghada, na costa oriental do
Egipto no Mar Vermelho, apanhamos uma lancha que nos levou até à Ilha Giftun.
Andamos de lancha pelo Mar Vermelho e também "viajamos" nos corais
embora, desta vez, a dar à barbatana...
10º BALÃO DE AR QUENTE: Ahhhh...
A Terra vista do céu!!! É LINDA! Já tínhamos experimentado o balão de ar quente
na China quando fizemos um passeio em Yangshou mas em Luxor foi ainda melhor.
Na China ficamos fãs mas agora ficamos viciados. Se o planeta Terra é magnífico
a sua verdadeira magnificência só é perceptível quando o vemos do céu... com
os olhos de uma ave!

Em Luxor, arranjamos um passeio
de balão por 60€ (marcamos antecipadamente pela internet), proporcionando-nos
uma perspectiva completamente diferente das maravilhas do Egipto. Para além das
habituais atracções turísticas como os templos de Hatshepsut, Karnak e Luxor, o
Vale dos Reis e das Rainhas, o Templo de Ramsés ou os Túmulos dos Nobres, vemos
a razão porque todos aqueles templos e túmulos ali estão... o Nilo e os seus
terrenos férteis. É muito interessante sobrevoar os Colossos de Memnón ou o
Templo de Ramsés mas, para mim, os campos irrigados do Nilo fizeram as minhas
delicias. Os agricultores trabalham os campos, os animais auxiliam na lavoura,
os canais de irrigação transportam as águas do Nilo e definem a área ocupada
pela população. Vemos as aldeias rurais afastadas de Luxor e a passagem
dramática entre os campos agrícolas e o deserto marcada pelo final dos canais.
Um passeio indescritível e obrigatório para quem deseja conhecer este país.

11º CAMELO: No deserto... camelo!
Sim, é verdade mas não é de todo verdade. Estivemos um mês no Egipto e tirando
um passeio em Assuão, não andamos de camelo. O nosso ponto alto de camelo foi
na Jordânia, no deserto de Wadi Rum. Depois de dormir num acampamento beduíno
acordamos bem cedo para regressar à aldeia de Rum de camelo. Os bichos até eram
simpáticos e meiguinhos mas as selas eram "especialmente" duras! Tão
duras que duas horas parecem dois dias e eu fiquei tão dormente por baixo que a
certa altura pensei que estava em dilatação para entrar em trabalho de parto (e
acreditem não é uma figura de estilo)! No entanto, as vistas são surpreendentes
e permite-nos o tempo suficiente para admirar a paisagem e sentir
verdadeiramente a beleza do local.

12ºJIPE: No Deserto Ocidental do
Egipto os camelos não são utilizados como meio de transporte. O Camelo
praticamente não existe e ninguém se aventura pelas areias do deserto sem ser
de jipe. Outrora possivelmente foram utilizados mas o camelo nunca foi um
animal autóctone por aqui.Foi de jipe que atravessamos as areias amarelas que
se perdem no horizonte, as dunas que se erguem vertiginosamente e os ergs que
se individualizam nas areias. Atravessar o grande Mar de Areia, no Deserto
Líbio, foi um dos pontos altos da nossa viagem e é com muita saudade que o
recordamos.



A viagem de jipe entre Siwa e Bahariya (que nos custou uma fortuna
- 200€!) valeu cada cêntimo porque nos permitiu experienciar uma realidade
ímpar no deserto.Por estradas que desaparecem escondidas pela areia ou que,
pura e simplesmente já não existem, lá fomos atravessando uma das regiões mais
inóspitas do planeta. Foi magnífico.Entre os dois oásis passamos mais de 10
check-points o que é surreal porque estão no meio do deserto e em muitos dos
casos nem existe estrada e podem ser simplesmente contornados!
13º CARROÇA: Pois bem, se no
Egipto houvesse um prémio para a nossa melhor viagem, o prémio teria ido para
o... ALI BABÁ! O Ali Babá foi o burro que puxou a nossa carroça numa das
viagens que fizemos em Siwa. Neste oásis do deserto há muito poucos carros,
motas e quase toda a população se desloca de carroça. Os táxis são carroças e
mesmo para quem não quer... não há alternativa! Se querem visitar Siwa têm de
se adaptar ao "siwa style".
O Ali Babá conduziu-nos orgulhoso
e eficazmente pelo oásis mas a certa altura tropeçou e ajoelhou-se no meio da
estrada de terra batida. De joelhos completamente esfolados e exibindo feridas
cobertas de sangue na cabeça lá prosseguiu viagem. Nós e Mohamed e Ibraim, os
nossos "motoristas", "arroxamos" juntamente com o Ali Babá.
O nosso primeiro acidente rodoviário nesta viagem!

Os dois rapazes levaram-nos a
visitar a Ilha de Fatnas, no lago de Siwa. Pelo caminho iam-nos mostrando o
oásis e explicando como se vive no deserto. São dois jovens fantásticos. A
carroça e o Ali Babá são o seu ganha pão e assim auxiliam a economia familiar.
Os recursos económicos são muito poucos porque não há muitos empregos. No
entanto, o futuro será certamente risonho para estes dois jovens que falam
muito bem inglês, francês e italiano. Têm 13 e 14 anos e aprenderam tudo com os
turistas. Português não lhes interessa aprender porque não vêm muitos para
aqui! Portugal? Só conhecem o Manuel José que treinou um clube de futebol no
Cairo. Cristiano Ronaldo? Quem é? Nunca ouviram falar. Delicioso este oásis nos
confins do Egipto.

14º BURRO: O Ali Babá é o maior
mas não o podíamos levar connosco. No entanto, ficamos fãs dos burros e
decidimos experimentar andar de burro na Jordânia. Depois de fazer trekking
durante dois dias em Petra estávamos todos partidos e decidimos inovar. Arranjamos
dois burros para subir ao Mosteiro. O meu era hiper-activo (nada melhor do que
a experiência profissional para saber diagnosticar estas coisas) e o do Rui era
o "mono". O burro do Rui ia à frente e tentava controlar os avanços
do meu que tentava a todo o custo ultrapassar e escalar os trilhos vertiginosos
de Petra. Empurrando o rabo do burro do Rui, o meu burro conseguiu
"desviar para canto" o adversário e subir montanha acima. Só vejo o
rapaz que nos seguia (dono dos burros) a correr atrás do meu burro e tentando
demovê-lo. Eu tentava travá-lo mas o facto de não ter carta de condução deste
veículo condicionou-me um bocado! Quando o rapaz conseguiu alcançar o meu burro
descobrimos que o burro do Rui decidiu inovar e começou a descer. Foi uma
aventura termos saído dali inteiros. Perdidos de riso, depois de sairmos dos
burros, decidimos percorrer o resto do trilho a pé. Confio mil vezes mais nas
minhas pernas cansadas do que num burro desperto!

15º BICICLETA: Em Israel, no Mar
da Galileia, decidimos fazer uma viagem de "circum-navegação" à volta
do mar. O meio de transporte, a bicicleta. São cerca de 63 km de estradas que
circulam o mar. Porque não? Mal pensado. Depois de viajar no Médio Oriente
quase dois meses esta viagem foi super penosa. Mal começamos a pedalar, por
volta das 7.30 h da manhã, descobrimos que já nos doíam as pernas e os joelhos
mas achamos que depois dos músculos aquecerem ia passar. Afinal, não passou.
Talvez porque parássemos muitas vezes para visitar as igrejas e museus. O
certo, é que quando chegamos a Capernaum (teoricamente a aldeia de Cristo) já
estávamos feitos num Cristo. Só tínhamos percorrido 23 km mas parecia que já
tínhamos andado 100. Com subidas e descidas sucessivas, cerca de 35º C e
abafados pelo facto de estarmos a 213 m abaixo do nível médio das águas do mar
fomos resistindo enquanto podíamos e fomos pedalando até às Colinas de Golã.
Pelo menos entramos nas famosas Colinas de Golã de forma inédita. Mas pouco
tempo lá estivemos. Depois de percorrer cerca de 8 km atirámo-nos para o chão e
resolvemos desistir. O rabo parecia o de um macaco e acho que desenvolvemos
calos! Era hora de almoço e não aguentávamos mais. Estávamos a ficar sem água.
Resolvemos por-nos à boleia. Eu, Carla Mota, à boleia nas Colinas de Golã... se
o meu paizinho soubesse!!!

Eu bem tentei mas os poucos
carros que passavam eram jipes da ONU e nenhum teve a amabilidade de nos levar.
Voltamos a pedalar até arranjar um autocarro que nos trouxe de volta a
Tiberiades. Foram apenas 40 km de bicicleta mas uma aventura para recordar. Apesar de experimentarmos
diversas formas de nos deslocarmos no terreno, as nossas botas foram as grandes
companheiras. Fizeram centenas de kilometros a pé, sempre prontas e cheias de
entusiasmo! Foram umas fieis companheiras que já nos acompanharam por outras
tantas terras pelo mundo, desde a Índia, Nepal, Chile, Bolívia, Equador,
Sibéria, Mongólia, China ou Marrocos. São elas as verdadeiras
"heroínas" deste "by any means"!