Quase dois meses no Médio Oriente é muito tempo e
permite-nos ter uma ideia muito aproximada das características da população de
cada um dos países que percorremos.
Não querendo criar estereótipos (mas afinal criámo-los
sempre) a verdade é que todos os povos dos países por onde andamos tem
características muito diferentes e podem transformar a imagem de um país. A população do Médio Oriente é, em termos gerais, de trato
um pouco agressivo e um pouco rude comparado com os padrões ocidentais. As
mulheres são de aproximação difícil, e nalguns casos mesmo impossível.

No Egipto, a população é muito mais rude do que nos
restantes países que visitamos. Os vendedores usam técnicas de venda agressivas
e chegam mesmo a ser indelicados, quando não queremos fazer negocio. Quem viajar
pelo Egipto de forma independente, vai-se aperceber que não e fácil viajar por
aqui. A população, salvo raras excepções, vêem os turistas com
muita desconfiança e fazem questão de demonstrá-lo. Foram muitas as vezes que
me senti "invasora" num determinado local. Nas localidades maiores,
tais como Luxor ou Assuão, quando saiamos do percurso turístico, as pessoas
mandavam-nos para trás e eram agressivas. Recusavam qualquer pedido para tirar
fotografia e tratavam-nos com brusquidão. Nas estações de comboio, a tentativa de comprar bilhetes era
sempre uma aventura. Os locais ignoravam-nos e passavam-nos à frente, tentando empurrar-me para o lado e mandar-me embora. Tínhamos que estar sempre firmes, às
vezes ser mal educados e estar sempre alerta.

Apesar da riqueza gerada pelo turismo no Egipto, em geral, a
população não gostava de nos ter lá. Sente-se que precisam do nosso dinheiro
mas esse dinheiro só vai para alguns e, na maior parte das vezes, nunca chega aos
bolsos da economia local. Os turistas são sempre sinónimo de dinheiro. Dinheiro fácil.
São pessoas endinheiradas que vieram gastar dinheiro. Os vendedores (ou
não) tentavam extorquir o máximo dinheiro possível e por tudo pedem
"baksheech" (gorjeta), inclusive para nos dizer para que lado ficava a
rua que procuramos. Um vendedor chegou a dizer-nos com alguma graça "Let
me help you spend your money in my shop"!
Nas ruas tentam fazer piadas baratas com as mulheres
"Ohhh... Shakira! Come to my shop!" ou as vulgares tentativas de comprar
a mulher alheia em troca de camelos, quando toda a gente sabe que nas grandes
cidades as coisas já não funcionam assim. Apesar de tudo, quando chegamos ao Sinai começamos a notar-se
diferenças. Os rostos eram mais abertos e menos carrancudos. Já se via um sorriso
e deixávamos de nos sentir "dólares com pernas". O Mar Vermelho parecia ser uma fronteira natural nas características da população autóctone do país. Os guias eram simpáticos, os motoristas de táxi mais prestáveis e os
empregados dos hostels tentavam esclarecer as nossas dúvidas. Ainda bem que
passamos por aqui, caso contrário teríamos saído do Egipto com uma ideia muito
negativa da sua população.

Atravessando o golfo de Aqaba e chegando a Jordânia sentimos
as nossas guardas baixar. O rosto das pessoas é mais aberto, o sorriso aparecia com naturalidade, as crianças aproximavam-se de nós e queriam conversar e vender
artesanato. Eram mais genuínos (se é que se pode dizer assim). Na Jordânia
sentimo-nos bem-vindos. Sentimo-nos importantes para a economia do país e
tratavam-nos bem em todo o lado.

No entanto, foi na Síria que me senti em casa. Apenas uma
hora depois de ter atravessado a fronteira, e quando apanhávamos um autocarro de Damasco para
Palmira, sentimos a simpatia e necessidade da população local em fazer os
viajantes sentirem-se bem por aqui. Com grande confusão na estação, um senhor
tentava ajudar-nos a encontrar o autocarro correcto. Uma vez no autocarro,
descobrimos que era o errado porque o mesmo senhor nos veio lá dentro dizer. Trocamos mas
para trás deixamos o guia da Lonely Planet (o nosso Alcorão). Um rapaz veio
atrás de nós, entrega-lo, ao nosso autocarro. Não tínhamos palavras para agradecer.
A população tratava-nos bem. Metia conversa, queriam saber o que vimos, para
onde vamos. Eram prestáveis e estavam sempre bem dispostos e com um sorriso
rasgado. Deixei de me sentir "uma nota de 100 dólares"!
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Peço fotografias e as crianças posam, os velhos riem e as
mulheres sorriem com timidez. Em troca não pedem "baksheech" mas sim
ver a fotografia. Riem, querem mais. Sinto-me em casa.
Nos locais mais sagrados do Islão, como as mesquitas
de Damasco, deixavam-me entrar nos locais de culto, inclusive participar nas
orações e nos actos de contrição. Assisti a um contador de histórias numa
mesquita a entreter a audiência que é composta por crianças, mulheres, homens e
muitos velhos. Deixaram-me sentar com eles e perceber que o Islão é muito mais do
que aquilo que os outros países nos mostram. A mesquita é um local fundamental
na vida de um muçulmano, é uma escola, um local de oração e um local de
entretenimento. Os outros países não permitem aos viajantes este contacto com a
população. Aqui, senti o Islão. Senti a devoção de um povo, algo que até agora
só tinha podido contemplar de fora, através de um olhar atrevido ou escondida
por trás do zoom da maquina fotográfica.


Porque será a Síria um dos quatro países que Bush, no seu
celebre discurso em Washington, chamou de Eixo do Mal? A quem fará mal esta
gente? São afáveis, simpáticos, prestáveis e atenciosos. São bonitos por dentro
e por fora. São gente genuína que nunca me mostrou um gesto mais rude. Foi
aqui, no Eixo do Mal, que descobri que é deste Islão que levo as melhores
recordações do mundo muçulmano.