Para alguém que nunca visitou o
Egipto, a sua capital estará sempre associada ao poder faraónico e as suas mais
grandiosas obras arquitectónicas, as pirâmides de Gize. E se esse alguém decide
fazer uma viagem a esta cidade, organizada por uma qualquer agência turística,
verá as suas ideias de certa forma fortalecidas. Ficará provavelmente hospedado
num hotel na longa avenida das pirâmides, visitará as pirâmides de Gize, será conduzido pelos corredores e salas do Museu Egípcio, cheias de artefactos,
estátuas, sarcófagos e múmias de um passado glorioso e, por último, verá um
espectáculo de som e luz, com as pirâmides como pano de fundo, onde se conta a
história dos faraós que mandaram erigir estas maravilhas do Mundo Antigo. Mas
será que o Cairo é só isto? Qual será a sua verdadeira identidade desta cidade?

Para alguém como nós, que se
desloca a países muito diferentes do nosso de forma independente (em termos
organizativos), esta questão é fundamental. Para se poder obter resposta a esta
questão, não se pode querer ver tudo do conforto do segundo andar climatizado
de um autocarro, nem saltar entre atracções turísticas do país, fazendo voos
internos; é necessário percorrer as ruas, apanhar táxis, autocarros e comboios,
estabelecendo um contacto mais próximo com a população. Claro que não é fácil,
mas ganha-se muito em conhecimento.
Mas esta parte prática não é tudo. Se se
pretende conhecer a identidade de uma cidade ou país, é imprescindível conhecer
a sua história. E o que se pode aprender, aplicando a prática e teoria? Aquilo
que um egípcio nos disse, ao meter conversa connosco na confusão das ruas e
movimento de pessoas: "Se não vierem ao bairro islâmico, nunca conhecerão
o Cairo".
De facto, não há melhor forma de observar o ritmo diário do
comércio e população desta cidade do que neste bairro, de preferência sentados
numa esplanada de um café em Khan al-Khalili, um dos maiores bazares do Médio
Oriente, por baixo de uma ventoinha e bebendo um sumo natural e fumando
sheesha.
Sente-se assim o pulsar da cidade, os hábitos dos seus habitantes. Mas
também convém percorrer a pé as atracções do bairro! E todas elas têm uma
história riquíssima por trás, que as fazem confundir-se com a própria história
do país.
Sabemos que o Egipto passou a ser uma província do Império Islâmico no
séc. VII, governado primeiro a partir de Damasco e depois de Bagdad. Mas um
governador enviado de Bagdad, Ibn Tulun, decidiu declarar a independência do
território e a mesquita que mandou erguer no Cairo, no séc. IX, ainda se mantém
de pé (ao contrário da sua dinastia que rapidamente foi eliminada), podendo
apreciar-se uma vista privilegiada da cidade a partir do topo do seu minarete
em espiral.

No séc.X, o Egipto foi tomado pela dinastia dos Fatimitas,
proveniente da Tunísia. Estes ergueram uma nova cidade, que denominaram de
Al-Qahira, "A vitoriosa", um nome mais tarde corrompido pelos
europeus para "Cairo". As muralhas desta cidade foram expandidas no séc. XII
por um general sírio, Salah ad-Din al-Ayyubi, mais conhecido por Saladino, que
mandou erigir uma fortaleza que ainda hoje subsiste com o nome de Cidadela, uma
das principais atracções turísticas para consumo interno da capital, e de onde
se tem uma vista fabulosa sobre a cidade e, em particular, sobre duas
imponentes mesquitas, mandadas erigir pela dinastia dos Mamelucos.
As mesquitas
são um local de oração e estudo, mas também de descanso, de convívio, de
abrigo. Enquanto descansávamos do sol inclemente do meio-dia, no interior da
mesquita do Sultão Hassan, ouvimos a chamada para mais um dos momentos de
oração diários, observamos os crentes a chegar, a lavar-se, a cumprimentar-se, e a prostrar-se virados para Meca.
Nota-se que o Islão é ainda uma religião muito
próxima do coração e mente da população, ditando os seus ritmos, rituais e
costumes. E combinando assim o profano das ruas com o sagrado das mesquitas, é possível chegar um pouco mais perto de se conhecer a essência de um povo que,
afinal, não é assim tão diferente.