Chongqing
O rio Yangtzé, o terceiro mais
comprido do mundo, é o maior curso de água chinês. A sua importância sempre foi
determinante na cultura chinesa. A província de Sichuan ter-se-ia mantido isolada,
até ao final do secúlo XX, se não fosse o facto deste rio ser navegável e
permitir ao longo dos seus 650 km pôr em comunicação as cidades de Chongqing e
Yichang. O rio é navegável até Shangai e extremamente importante, quer no
transporte de mercadorias, quer no transporte de passageiros.
O Yangtzé apresenta, à semelhança
de outros rios tropicais, uma coloração castanha barrenta que se deve às
enormes quantidades de sedimentos transportados, nomeadamente as argilas
resultantes da hidrólise do substrato rochoso.
1º Dia:
O cruzeiro que efectuamos no rio
Yangtzé teve inicio na cidade de Chongqing. Apesar de não termos visto muito
(facto provocado pela dificuldade de arranjar bilhetes de comboio) deu para
perceber que esta cidade é extremamente poluída. Situada numa península onde o
rio Yangtzé se encontra com o rio Jialing, Chongqing está sob um
"smog" permanente que desfoca os neons nocturnos. Pouco depois de
desatracar do porto fomos dormir e usufruir de algum conforto... afinal
estávamos num cruzeiro de 4 estrelas!
2º Dia:
Atravessamos uma paisagem
bastante monótona e excessivamente poluída durante toda a manhã e depois de
passar a cidade de Fuling dirigimo-nos para Fengdu, a nossa primeira paragem.
Fengdu, a cidade dos fantasmas ou
dos espíritos, é considerado o local onde os espíritos dos mortos voltam.
Dominada pelo monte Ming Shan, agora na outra margem do rio, a nova cidade olha
o novo templo. Subimos de teleférico e exploramos este complexo, recentemente
relocalizado.
E seguimos viagem com um
magnífico pôr-do-sol e um espectáculo a bordo.
3º Dia:
Grande parte do percurso que
efectuamos hoje de barco está muito acima do nível do rio há poucos anos atrás.
Este facto deve-se à construção da barragem das Três Gargantas, a montante de
Yichang, que elevou o nível das águas em 175 metros. Esta situação provocou o
desaparecimento de muitas aldeias, vilas e cidades um pouco por todo o vale.
Locais como o templo de ShibaoZhai foram preservados porque se construíram diques
para a sua protecção, cidades como Fengdu foram relocalizadas na outra margem
do rio e a uma cota superior, mas aldeias medievais e vestígios paleolíticos e
neolíticos desapareceram para sempre debaixo das águas do rio. Milhares de
famílias foram realojadas, mudaram de casa, de lugar, de cidade. O governo
chinês teve a seu cargo o realojamento de 1,3 milhões de habitantes (mais
população do que cerca de 30 países no mundo).



Existem 3 gargantas: Qutang Xia,
Wu Xia e Xiling Xia. A primeira garganta, Qutang Xia, é a imagem na nota de 10
yuan. Com 8 km de comprimento, esta garganta outrora com penhascos abruptos está
agora reduzida a uma altura modesta e aquilo que os viajantes descreveram como
"canal apertado e turbulento" é hoje um leito regular e praticamente
sem corrente. As correntes enfurecidas do Yangtzé foram domadas, os penhascos
gigantescos foram "cortados" e hoje, quando atravesso esta primeira
garganta sinto, claramente, que cheguei demasiado tarde. O Homem conseguiu
fazer aquilo que faz de melhor: destruir a natureza. As paisagens lendárias e
assombrosas do Yangtzé, proporcionadas do fundo do vale já não são possíveis.
Agora, o barco navega a uma cota quase 200 metros acima do nível original. Os
penhascos fabulosos, com cerca de 400 m de altura, têm agora pouco mais de 200 m
e as vertentes escarpadas estão quase totalmente submersas. Restaram as
vertentes regularizadas no cimo das montanhas. Hoje, até essas foram
"domadas" pelo Homem. Exibem campos agricultados, essencialmente por
árvores de fruto e aldeias relocalizadas.

A albufeira da barragem engoliu
tudo o que encontrou pelo caminho. Mesmo os mais enraizados, os idosos, tiveram
que fugir à subida das águas. Agora, observam das janelas o rio tranquilo, o
mesmo que tantas vezes observaram enfurecido. Esta população não reconhece este
lugar. O rio mudou. A paisagem mudou. Tudo mudou. Os turistas agora são muitos
mais. O rio permite barcos maiores e é navegável em segurança durante muito
mais tempo. No entanto, os turistas procuram um Yangtzé que já não existe e os
locais sentem saudosismo pelo que foi este rio.
O inicio da minha experiência nas
Três Gargantas foi partilhado com dezenas de chineses que se amontoavam em
frente ao vidro em busca de uma fotografia. Essa busca foi infrutífera já que
chovia torrencialmente.
A segunda garganta, Wu Xia, mede
35 km de comprimento. Mais uma vez a chuva, o nevoeiro e o vento impedem-nos de
contemplá-la na plenitude. Mais impressionante do que primeira, quer pela
extensão, quer pela altura das vertentes. Na entrada da segunda garganta, uma
ponte vermelha fere a vista ao individuo mais desatento. Wu Xia significa
garganta das bruxas e é mais imponente do que a primeira porque antes da
construção da barragem as suas vertentes mediam 900 m.
Depois do almoço rumamos ao
ribeiro Shennong. Passamos para umas embarcações mais pequenas. A determinada
altura passamos por umas urnas encravadas nas rochas. Ao que parece foram ali
colocadas pelo povo Bai, à cerca de um milhar de anos atrás. Este povo, agora
desaparecido, terá dado origem ao povo Ba, da província de Sichuan e aos Tujia,
um povo local. Pelo caminho os penhascos sucedem-se e conseguimos ver
estalactites presas nas vertentes.
A garganta deste ribeiro, de
natureza calcária, terá tido origem numa mega cavidade horizontal que terá
colapsado, tendo colocado a descoberto toda esta área. Hoje, devido à subida do
nível das águas, o ribeiro é um lençol de água mais ou menos tranquilo e fácil
de transpor.

Numa determinada secção do
ribeiro tivemos que trocar de barco. O barco grande já não pode passar e
tivemos que ser transferidos para barcas pequenas. Estas, são conduzidas por um
conjunto de homens que vão remando rio acima até o nível das águas ser
demasiado baixo, já não permitindo a passagem. Outrora, estes barcos, aquando
da existência de rápidos, só podiam subir o rio com a preciosa colaboração dos
batedores. Estes homens, encordados, puxavam o barco rio acima com a força do
corpo. Este trabalho acontecia nos ribeiros mas também no próprio Yangtzé. Os
trilhos construídos no ribeiro e no rio são ainda visíveis. Os batedores usavam
sapatos próprios, uma espécie de chinelos feitos em corda e atados aos
tornozelos. Este material adere bem à rocha e à barca e não se desprende com a
água. De volta ao Yangtzé seguimos em
direcção à majestosa barragem das Três Gargantas, que atravessamos durante a
noite.
4º Dia:
Depois da visita à barragem
atravessamos a terceira garganta, Xiling Xia, parcialmente inundada pela
albufeira duma segunda barragem. A paisagem do vale das Três Gargantas
perdeu-se para sempre. Quem teve a sorte de ver este vale antes da construção
da barrragem poderá guardar essa imagem porque jamais o Yangtzé voltará a ter a
mesma geografia.
E... depois de mais um almoço
divinal abandonamos o cruzeiro e seguimos viagem para mais uma aventura.